GEOMETRIA E SEU ENSINO
Nelson Antonio Pirola
Olhando ao redor da sala em que você está, certamente você pode identificar coisas que lembram Geometria. Vivemos em um mundo tridimensional, em que diferentes formas se apresentam. Podemos dizer que encontramos a Geometria na natureza, nas pinturas, na escultura, nos artesanatos, nas tapeçarias e em tantos outros lugares.
Desde a Antiguidade, a humanidade construiu conhecimentos de Geometria, conforme mostram, por exemplo, suas construções.
As pirâmides do Egito revelam o alto grau de conhecimento que os egípcios tinham da Geometria.
Geometria é uma palavra derivada do grego formada por geo, que significa terra, e metria, que significa medida. Assim, se considerarmos ao pé da letra, Geometria significa “medida de terra”. Essa relação com “medida de terra”, conforme nos conta a história, refere-se ao fato de que, muito antes de Cristo, as terras às margens do rio Nilo eram divididas em porções retangulares para que os egípcios pudessem desenvolver a agricultura. Mas, em determinadas épocas do ano, as águas do Nilo subiam, as terras eram invadidas pelas águas e as demarcações eram apagadas. Quando as águas baixavam, “o rei Sesóstris mandava ao local os medidores de terra, que tinham a tarefa de verificar em quanto cada porção de terra havia sido diminuída pelas águas. Esses medidores foram adquirindo um saber prático que continha vários princípios ou regras para a medição de ângulos, de áreas de algumas figuras e de volumes de objetos mais simples” (Miguel, Funcia e Miorim, 1991).
Assim, pelo fato de o trabalho com os conhecimentos geométricos oportunizar o desenvolvimento de um tipo de pensamento que favorece a compreensão, a descrição, a representação e a organização do mundo em que vivemos – e tendo em vista que “o estudo da Geometria é um campo fértil para trabalhar com situações-problema e é um tema pelo qual os alunos costumam se interessar naturalmente” (SEF/MEC, 1998, p. 51) –, o ensino e a aprendizagem da Geometria se constituem em um campo importante dentro do currículo de Matemática. Como aponta Sherard III (1981), a “Geometria pode servir de veículo para estimular e exercitar habilidades de pensamento e de solução de problemas, fornecendo aos estudantes oportunidades de olhar, medir, estimar, generalizar e abstrair” (p. 21). Além disso, segundo esse autor, a Geometria é importante, pois tem aplicações em problemas da vida real e em problemas envolvendo outros tópicos da Matemática, como álgebra, aritmética e estatística. Também os PCN - Matemática (SEF/
MEC,1998) sugerem que o enfoque dos conceitos geométricos esteja articulado ao enfoque dos conceitos de números e medidas.
Entretanto, embora o ensino da Geometria seja defendido e justificado, aparentemente, existe um abandono dessa parte da Matemática em algumas escolas. Os trabalhos de Fainguelernt (1995), Biembengut e Silva (1995), Pirola (1995) e Lorenzato (1995), entre muitos outros, têm chamado a atenção sobre essa negligência, propondo formas de otimizar esse ensino.
Isso não ocorre somente no Brasil. Mesquita (1999) também mostrou que, na França, os programas escolares dão um lugar reduzido à Geometria.
Isnardi (1998) apontou que, na Argentina, são encontrados poucos estudos de Geometria nos diferentes níveis de ensino, sendo notado que falta uma preparação dos professores para trabalhar com atividades que conduzam às construções geométricas.
A Geometria, assim como outros campos da Matemática, pode favorecer o desenvolvimento da criatividade na medida em que o professor estimula seus alunos a buscar novos caminhos para a solução de problemas e cria condições para que as crianças comuniquem suas idéias. De acordo com a Proposta Curricular de Matemática para o CEFAM e a Habilitação Específica para o Magistério – versão preliminar (1990) –, é importante permitir ao aluno “que as definições e propriedades surjam de suas observações, mesmo que inicialmente imperfeitas, para, depois, por reformulações sucessivas, obter a forma final, formal e concisa” (p. 117). Montar e desmontar, compor e decompor figuras, recortar, dobrar, pintar etc. são atividades que favorecem o desenvolvimento da criatividade dos alunos, bem como a compreensão de conceitos e princípios geométricos.
A criança quando começa seus estudos na primeira série do Ensino Fundamental traz conhecimentos geométricos construídos em seu lar, nas brincadeiras e também nas escolas de Educação
Infantil. Pelo fato de vivermos em um mundo tridimensional, é importante que o estudo da Geometria tenha início com os poliedros e corpos redondos, com o objetivo de levar os alunos ao desenvolvimento da percepção e à discriminação de formas. Explorando esses objetos tridimensionais, a criança pode distinguir entre figuras planas e não-planas, bem como estudar os atributos definidores das figuras geométricas e as suas propriedades.
No processo de ensino e de aprendizagem é muito importante que exemplos e contra-exemplos dos conceitos sejam fornecidos aos alunos (e que também sejam obtidos deles) para evitar erros de generalização.
É conhecida a história do pai que queria ensinar ao filhinho de quatro anos o sentido da palavra “perpendicular”. Para isso, tirou o lápis do bolso e colocou-o em ângulo reto com a mesa, dizendo: “É uma perpendicular”. Depois, mandou que o filho repetisse a palavra muitas vezes. No dia seguinte, tornou a colocar o lápis em ângulo reto com a mesa e perguntou: “Que é isto?”. O menino respondeu: “É uma perpendicular”. O pai ficou entusiasmado com a inteligência do filho e gabou-se a um visitante: “Meu filho de quatro anos entende o sentido da palavra perpendicular”. Para demonstrá-lo, chamou a criança, durante o jantar, e colocou uma faca em ângulo reto com a mesa, indagando: “Que é isto?”. A criança respondeu: “Uma faca”. Depois de várias tentativas infrutíferas para obter a resposta “correta”, o pai afinal tirou o lápis do bolso e colocou-o em ângulo reto com a mesa.
“Que é isto?”, perguntou desesperado. “É uma perpendicular”, replicou a criança (Extraído de Derville, 1973).
Nessa história, a criança só chamava de perpendicular quando o pai colocava o lápis em contato com a mesa, formando um ângulo reto. Ao mudar o objeto para faca, a criança mostrou que o fato de o pai ter dado um único exemplo de perpendicular não lhe deu condições de realizar a transferência conceitual de uma situação para outra. O mesmo tipo de erro acontece quando o professor ensina o conceito de triângulo só dando como exemplo o triângulo isósceles. Por um processo de generalização, os estudantes poderão não identificar um triângulo retângulo ou obtusângulo como pertencentes à classe de triângulo. Um estudo foi realizado por Pirola (1995), em uma classe de quinta série com 35 alunos, com o objetivo de investigar os conceitos de triângulo apresentados por estes estudantes. O procedimento para a obtenção dos dados constituiu em mostrar aos alunos algumas figuras planas, solicitando a eles que denominassem e definissem verbalmente cada figura. A primeira figura mostrada foi um quadrado e, para essa figura, a definição mais freqüente foi: “é um quadrado porque possui todos os lados iguais”. A outra figura foi um triângulo acutângulo (triângulo que possui todos os ângulos agudos) isósceles. A definição mais freqüente foi: “é um triângulo porque possui todos os lados iguais”.
Além disso, vários triângulos foram desenhados na lousa e foi constatado que grande parte dos alunos identificava como triângulo somente aquele que tinha aspecto de triângulo acutângulo isósceles. Triângulos obtusângulos (triângulo que possui um ângulo obtuso), por exemplo, não eram facilmente identificados pelos alunos. Foi verificado também que mesmo os alunos que já haviam tido algum contato com triângulos, nas séries iniciais, não eram capazes de discriminar que dois ou mais tipos de triângulos pertenciam à mesma classe (a dos triângulos).
Foi observado ainda que o conteúdo referente às figuras geométricas havia sido ensinado em sua forma final, pronta e acabada, com apresentação de definições e exercícios onde predominavam problemas envolvendo o triângulo equilátero ou parecido com este. O número reduzido de exemplos e a ausência de contra-exemplos colaboraram para que os alunos construíssem o conceito parcial de triângulo.
Assim como ocorreu com o conceito de triângulo, o mesmo pode ocorrer com outros conceitos. O professor deverá estar sempre atento para esta questão, proporcionando a seus alunos um conjunto adequado de exemplos e contra-exemplos do conceito trabalhado, contribuindo, dessa forma, para evitar erros de generalização.