terça-feira, 15 de dezembro de 2009


AS CRIANÇAS DAS SÉRIES INICIAIS E A CONSTRUÇÃO DE NOÇÕES GEOMÉTRICAS
Célia Maria Carolino Pires




No projeto de pesquisa descrito no livro Espaço & Forma, inicialmente nos propusemos a observar como as crianças constroem relações espaciais. Para tanto, os professores propuseram atividades de localização e movimentação no espaço. Eles relataram que, desde a primeira série, as crianças conseguem dar e receber informações sobre sua localização em espaços como a sala de aula e a escola (mesoespaços). No entanto, nem sempre são capazes de selecionar pontos de referência adequados e, nas representações gráficas, usam elementos bastante supérfluos para indicar posição.
Nas séries seguintes, observa-se um refinamento nas produções: procuram selecionar elementos importantes e suas representações aproximam-se mais de mapas/croquis do que os desenhos dos alunos da primeira série.
Também no uso de nomenclatura específica, nota-se um aperfeiçoamento: expressões como “segue toda vida, na sala da porta 9” são, aos poucos, substituídas por “vire à esquerda, siga reto, suba em direção à”...
Com relação ao uso da folha de papel (microespaço), observaram que ela pode ser usada de forma mais adequada para representações. Assim, manter proporções nos desenhos da sala e da escola começa a ser uma preocupação dos alunos, o que permite ao professor iniciar a exploração da idéia de escala.
As crianças das séries mais adiantadas também começam a não aceitar as representações que elas mesmas fazem; por exemplo, do quarteirão da escola. Embora algumas ainda desenhem os prédios “deitados”, falam que os prédios não são desse jeito, mas que não encontram uma forma de fazer com que “saiam para fora” da folha de papel. O trabalho com panfletos de venda de imóveis em que há representações espaciais as ajudou a pensar em desenhar uma praça, que visitaram nos arredores da escola, “em perspectiva”.
As atividades de localização e movimentação no espaço culminaram com uma proposta de construção da maquete de uma praça próxima à escola, que serviu também como mote para iniciar o estudo de formas tridimensionais, tomando como ponto de partida as caixas de diferentes formatos usadas para representar prédios, na maquete.
Desde a primeira série, as crianças trabalharam com montagem e desmontagem de caixas em forma de cubo e de paralelepípedo, procedimento executado por elas sem grandes dificuldades.
Diante de uma coleção de figuras planas que poderiam ser usadas para montar caixas, as crianças mostraram-se capazes de fazer essa escolha adequadamente.
Convidadas a reproduzir em argila diferentes formas geométricas, elas demonstraram perceber a existência de superfícies planas e arredondadas, de bicos (vértices) e mesmo de arestas que delimitam as diferentes faces dos objetos. Ao serem solicitadas para representá-las por meio de desenhos, a grande maioria desenhou uma das faces da caixa.
As da 2ª série fizeram algumas atividades semelhantes às da primeira, mas foram solicitadas, por exemplo, a representar prismas e pirâmides que lhes eram mostrados.
As crianças procuram representar não apenas o que estão vendo, mas também o que sabem que a figura contém; assim, há desenhos em que mostram as duas bases do prisma triangular e há crianças que desenham a “figura toda” e, logo abaixo, cada uma de suas faces.
Há também reproduções, especialmente as do cubo, que são cópias do modelo que, em geral, aparece nos livros. Nas representações de paralelepípedos (caixa de leite) e de cilindros (lata de óleo), as crianças se preocuparam mais em mostrar a base circular dos cilindros do que a base retangular dos paralelepípedos. De forma surpreendente, conseguiram esboçar também o desenho das planificações desses sólidos. Solicitadas pela professora para carimbar as faces de prismas e pirâmides, mostraram um bom controle do número de faces dessas figuras.
As crianças de 3ª e 4ª séries trabalharam bem com contagens de faces, vértices e arestas, não chegando, no entanto, espontaneamente, a perceber relações entre os números obtidos. Também nestas séries as crianças conseguiram ser mais “fiéis” ao que viam efetivamente. Mas ainda é forte a necessidade de jamais ocultar a base circular do cilindro. As representações são bem mais cuidadas (usam régua, mantêm proporções entre as dimensões das faces).
O trabalho com contagem de vértices, faces e arestas e a organização dessas contagens em tabelas também despertaram o interesse das crianças, que, estimuladas pelas professoras, começaram a observar algumas regularidades, como o fato de que em qualquer pirâmide o número de vértices é igual ao número de faces.
As atividades de planificação das figuras tridimensionais serviram de ponte para as atividades envolvendo figuras planas. Com relação à reprodução de uma figura plana (em folha de papel sem linhas e em folha de papel quadriculado), as crianças de 1ª e 2ª séries mantiveram desempenho bastante semelhante: elas mantêm aspectos topológicos das figuras (figuras fechadas, saliências, reentrâncias), mas não os aspectos métricos (tamanho dos lados, dos ângulos) nem mesmo quando o papel quadriculado é usado. Muitas ignoram a malha.
Nas 3ª e 4ª séries as reproduções já indicam preocupação com medidas (usam régua), mesmo quando, por exemplo, não têm procedimentos para manter a medida de ângulos agudos ou obtusos. Na observação de semelhanças entre figuras poligonais, dizem: todas são fechadas, têm pontas, todas têm linhas retas.
Na observação de diferenças entre figuras poligonais, o critério que apareceu em primeiro lugar foi o de número de lados das figuras. Algumas crianças chegaram a questionar a nomenclatura (dizendo que era melhor usar o termo trilátero, para dizer que a figura tem três lados, em vez de triângulo). O segundo critério mais usado foi o do número de ângulos (as crianças perceberam que “dava no mesmo que contar os lados”). Algumas chegaram a diferenciar figuras que têm angulo reto das que não têm. Como já haviam trabalhado com a idéia de simetria, esta também surgiu como um critério de classificação. Diante de uma coleção de trapézios e de paralelogramos, diferenciam-nos pelo número de “pares de linhas paralelas”.
É interessante notar que várias crianças prolongaram os lados de paralelogramos e de trapézios para verificar se eles se encontram ou não.

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