Tempos, espaços, materiais e boas intervenções pedagógicas determinam a qualidade de atendimento a bebês em espaços de educação infantil
Segundo o Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, a palavra ambiente pode ser compreendida como aquilo que rodeia ou envolve os seres por todos os lados e constitui o meio em que se vive. E na Educação Infantil, o que rodeia e envolve as crianças? As respostas variam de acordo com o contexto, mas certamente ligadas à organização de tempos, espaços e materiais presentes na instituição. Como princípio, acredito que esses elementos precisam ser bem organizados para possibilitar descobertas e aprendizagens.
Descobrir e aprender são ações possíveis por interações. É na relação entre as pessoas que se criam condições para a produção de cultura. A troca de ideias implica imaginar, inventar e elaborar pensamentos e movimentos para desenvolver a potencialidade humana em todas as dimensões. Na creche e na pré-escola, portanto, é importante construir um ambiente que propicie boas interações entre os diferentes parceiros mediadas por objetos culturais significativos. Ao se considerar a diversidade dos modos de agir, de pensar e de sentir das crianças, essas experiências podem se traduzir em atividades que mobilizem os saberes dos pequenos de tal maneira que eles aprendam sobre si e sobre o mundo.
Essas possibilidades podem ser reunidas em alguns campos de experiências1, que se alimentam da iniciativa e curiosidade infantis e pela maneira como os pequenos criam sentidos em relação àquilo que os rodeiam. Quando ligadas à linguagem verbal, há dois domínios – oral e escrito. Ao se expressarem dessa forma as crianças participam de diversas práticas de inserção social. Além disso, embora regidos por normas próprias, o domínio desse campo de experiência faz interface com todos os outros considerados essenciais para o desenvolvimento infantil. Pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil2 o trabalho com linguagem se constitui em um dos eixos básicos dessa etapa da Educação Básica, dada sua importância para a formação do sujeito, interação com as outras pessoas, orientação de ações, construção de variados conhecimentos e desenvolvimento do pensamento.
Aprender uma língua não é somente falar novas palavras. É também entender seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do mesmo meio sociocultural compreendem, interpretam e representam a realidade. Nessa perspectiva, durante uma avaliação de intervenção com os grupos de berçário no CEI Jardim da Conquista, em São Paulo – SP, usei a linguagem3 como foco principal no campo das experiências. O desafio foi desenvolver uma proposta que considerasse tempos, espaços e materiais para interação com os pequeninos, interligados e articulados num ciclo em espiral. Ela pode ser entendida como algo que continuamente se aproxima e se afasta, e compreende as fases de planejamento, ações, observação e reflexão e, depois, um novo planejamento da experiência em curso.
Este texto apresenta o percurso nesse ciclo, os itinerários percorridos por esse grupo explicitando as idas e vindas e os imprevistos sempre presentes. O princípio de desenvolvimento coletivo que permeou o trabalho supõe que apesar de planejamento anterior há muito espaço para o trabalho com a criança. Desse modo, um processo de aprendizagem não pode ser plenamente controlado, mas reavaliado a cada momento.
De conversa em conversa
A interação está intimamente ligada à comunicação. Um dos meios mais importantes de comunicação oral ocorre por meio da conversa. A troca de palavras e ideias é algo que deve marcar as relações desde o berçário nas instituições de Educação Infantil. Os bebês ainda não falam convencionalmente, de modo que precisam dos adultos para expressar o sincretismo que marca seu pensamento. Com base nisso, nossos encontros se iniciavam sempre com uma roda de conversa. O objetivo era contribuir para que ocorressem interlocuções mais qualificadas. A dinâmica estabelecida para o batepapo foi diferente do círculo que costuma acontecer com os maiores, pois os bebês integram pensamento e ação e, por isso, era difícil mantê-los sentados em um mesmo lugar por muito tempo.
O tempo das situações coletivas de conversa com os pequeninos foi curto, porém infinito do ponto de vista das possibilidades de diálogo e de expressão. Era hora de escutar e reconhecer a subjetividade do outro. Quanto ao espaço, ele era pensado de acordo com o assunto proposto. Valia um cantinho aconchegante organizado dentro da sala, debaixo de uma árvore no pátio ou em uma tenda armada no solário. O teor dos bate-papos esteve sempre relacionado às atividades que realizávamos em nossos encontros. A partir de alguns disparadores (imagens, histórias, espelhos e outros objetos), a conversa se iniciava e encadeava ações, contextualizando e dando sentido às vivências.
Meu papel como educadora era o de emprestar palavras, completar falas e balbucios, servir como modelo para imitação e fazer perguntas, utilizando sempre uma linguagem enriquecida pelo vocabulário e recursos que nossa língua oferece. No Berçário 1 (bebês de 0 a 1 ano e 3 meses), utilizei fotos das intervenções como apoio. As imagens individuais de cada um foram colocadas em um mural, que também foi suporte para o diálogo, contribuindo para a dimensão da identidade. Na mesma orientação, uma de nossas conversas teve como apoio pequenos espelhos, nos quais as crianças puderam brincar com seus reflexos. Também propus que apreciássemos figuras humanas produzidas por artistas que alimentam nossa cultura.
No Berçário 2 (bebês a partir de 1 ano e 3 meses), da mesma maneira, trabalhamos com as fotos individuais e construímos juntos um mural para essas fotos. A apreciação de imagens de artistas também esteve presente, e a conversa disparada por essas obras se estendeu quando delimitamos um lugar para que pudessem permanecer na sala. Imagens de pessoas em movimento estimularam a combinação da linguagem oral com o corpo, comunicando e interagindo por meio do movimento. Outro lugar que criamos, e sobre o qual conversamos, foi o canto de leitura.
Cestinhas-surpresa
As experiências relacionadas ao brincar são fundamentais na Educação Infantil. Por meio da interação aprende-se a brincar e a fazer escolhas. Assim, a criança pequena experimenta o mundo e desenvolve a imaginação. Para ampliar as possibilidades de brincadeiras de livre escolha para os bebês, propus uma sequência de atividades com cestinhas-surpresa. Elas traziam materiais com diversidade de texturas, sons e cheiros, que possibilitavam esconder, achar, encaixar, empilhar, derrubar, rolar, construir, encher, esvaziar, vestir, tirar e colocar. Os pequenos deveriam explorar esses objetos.
Essa é uma atividade intermediária, que se situa entre a dirigida e a brincadeira livre não planejada. Pode ser marcada por um ritual, que ajuda a criança a se situar na rotina e a se envolver com tranquilidade, pois o pequeno sabe que ela vai acontecer novamente. O tempo possibilita escolher com o que se envolver, diante de opções apresentadas simultaneamente. Requer espaço flexível, que possa ser organizado e reorganizado várias vezes ao dia. A proposta transforma o ambiente porque uma dinâmica diferenciada da cotidiana ali se estabelece. São necessários cantinhos aconchegantes e caminhos que prevejam a mobilidade.
Os materiais escolhidos para as cestinhas podem partir da observação do interesse infantil e também propor desafios e explorações. Sugestões de materiais: caixinhas e blocos de madeira, pedaços de tecido, cones, carretéis, bolas de borracha, potes, lenços, pulseiras, instrumentos musicais, espelhos, imagens etc. Vale lembrar que todos devem ser constantemente higienizados e não podem oferecer riscos à segurança das crianças. No Berçário 1, criei um ritual para iniciar as atividades. Levava sempre um tapete onde nos reuníamos e, então, apresentava os objetos dos recipientes, sugerindo meios de exploração. Em seguida, entregava uma cesta para cada bebê. No Berçário 2, as professoras produziram cestinhas com papel de revista, que foram pintadas pelas crianças em um de nossos encontros.
Nas reuniões seguintes, elas eram apresentadas com seus pertences, como no caso anterior. Para a exploração de materiais os tempos foram diversos entre si. Nos primeiros encontros, o grupo passou vários momentos observando e manuseando cada objeto cuidadosamente, em clima silencioso. Somente nos encontros seguintes, começou o interesse por descobrir o que havia nas outras cestas e a interagir com os colegas e as educadoras, imitando, complementando, criando e recriando ações. Com os maiores, despontaram algumas brincadeiras de jogo simbólico apoiadas nos materiais. Ao final das atividades, solicitava ajuda aos pequenos para guardar os materiais, movimento logo incorporado pelo grupo, constituído, aos poucos, pela rotina que foi sendo organizada e compartilhada. Tanto na experiência com o Berçário 1 como com o 2, chamou atenção a forma como os conflitos surgiam e eram resolvidos pelas crianças, que demonstravam saber negociar diante das opções daquele contexto.
Outra linguagem para interagir
A interação com o ambiente e com as pessoas que dele fazem parte pode ser bastante enriquecida pelo contato e pela vivência com o fazer artístico. Ampliar referências visuais e possibilitar a expressão plástica são elementos fundamentais para o desenvolvimento da criatividade. A fim de proporcionar experiências nesse campo, propus uma sequência de atividades de apreciação de imagens e de expressão plástica nos encontros com os bebês. Além de funcionarem como disparadores de conversa, as reproduções de obras produzidas por artistas contribuíram para ampliar o repertório dos pequenos.
No Berçário 1, trabalhei mais com a dimensão da apreciação, tanto nas rodas de conversa quanto com as cestinhas-surpresa, que continham caixinhas de imagens em um dos encontros. No Berçário 2, além da apreciação de imagens, que ganhou um canto fixo na sala, confeccionamos materiais (pinturas das cestinhas, do mural de fotos e nomes, da moldura do canto de apreciação de imagens e do tapete para canto de leitura). Depois das atividades de expressão ligadas à confecção de objetos, propus uma pequena sequência de pintura com interferências, para alimentar o percurso criador.
Em trabalhos como esse, o tempo de apreciação é flexível, pois implica o olhar de cada um. As atividades são dirigidas e precisam da intervenção do professor para auxiliar os pequenos a lidarem com materiais que exigem determinados procedimentos. Em geral, eles ainda não conhecem procedimentos básicos para o trabalho plástico, tanto em relação ao uso de riscantes e suportes quanto com relação aos cuidados básicos para se proteger e cuidar do ambiente. Procurei orientar os procedimentos específicos no trato de cada material e também sugeri meios de exploração. É importante ressaltar que os materiais devem ser organizados em locais adequados e seguros.
Com o tempo, as crianças se apropriaram da novidade e solicitavam a camiseta velha para começar a pintar, escolhiam o riscante que preferiam usar e levavam a produção até umlocal apropriado para secar. Observei que elas ficaram sempre muito envolvidas e concentradas, de modo que todas as atividades propostas foram realizadas com tranquilidade. É fundamental que a produção seja valorizada, sendo cuidadosamente exposta dentro da sala ou em outros espaços da escola. Um canto fixo de imagens pode ser organizado, lembrando que elas devem ser periodicamente trocadas.
Pode-se organizar o espaço de maneira a possibilitar diferentes experiências com o fazer artístico: desenhar e pintar de pé ou sentado, realizar trabalhos coletivos ou individuais. A confecção de cantos e de objetos para o ambiente do berçário, por sua vez, contou com a participação ativa dos pequenos integrantes, que puderam explorar materiais do fazer artístico. Esse movimento de participação na construção do ambiente favoreceu a valorização da expressão e da produção deles. No início, as tarefas foram coletivas; depois, quando todos já estavam mais familiarizados com a proposta, ofereci a oportunidade para que realizassem explorações mais individualizadas, a partir de uma sequência planejada para enriquecer o percurso criador. É importante saber observar e respeitar o tempo da produção de cada um.
Leitura pelo professor
As experiências relacionadas à leitura abrem as portas para o conhecimento sobre o mundo e contribuem para a interação e o desenvolvimento da oralidade e da linguagem. A narração de textos pelo professor fornece às crianças um repertório que favorece a ampliação gradativa de suas possibilidades de comunicação e de interação social. A participação em rodas de história pode se constituir em um momento para expressão de ideias, sentimentos, necessidades, desejos e avanço no processo de construção de significados. Por considerar que as crianças tinham pouca familiaridade com a leitura em voz alta e com os próprios livros, e por julgar importante que elas conhecessem narrativas literárias e desenvolvessem comportamentos leitores, propus uma roda de leitura em todos os encontros. Reuníamo-nos em um canto aconchegante (com tapetes e almofadas) e eu lia uma narrativa, colocando-me como modelo de leitor.
Merece destaque a importância de se planejar esse tempo, sem perder de vista o antes, o durante e o depois. No Berçário 1, propus uma sequência de leitura de poesias curtas com a temática de animais. Depois do texto lido, oferecia algumas publicações aos pequenos. No Berçário 2, adotei uma sequência de histórias de acumulação e repetição (veja a lista de livros na página 36). Construímos também um canto de leitura na sala, para o qual as crianças pintaram um tapete. Assim, as publicações se tornaram sempre acessíveis, possibilitando o aprendizado de procedimentos de manuseio delas, assim como a oportunidade de experimentar a leitura, mesmo que não convencionalmente.
Aos poucos, tanto os menores quanto os maiores, puderam ingressar nesse universo. Nos primeiros encontros, as atividades foram tumultuadas. Com o passar do tempo, eles acompanhavam e apreciavam esses momentos, saboreando palavras e ilustrações. Além disso, observamos alguns comportamentos incorporados, como manusear adequadamente um livro, virar uma página de cada vez da esquerda para a direita, observar ilustrações e relacioná-las com a história lida, formular hipóteses sobre a narrativa que seria lida e tentativa de reconto.
(Cinthia Manzano, formadora do Instituto Avisa Lá)
1Sobre a ideia de campos de experiências, consultar o documento Orientações curriculares: Expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para Educação Infantil, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de 2007.
2Nacionais, elaborados pelo Ministério da Educação, em 1998. O documento se constitui a partir das concepções de criança, infância e educação, oferecendo diretrizes curriculares a todos que atuam na área de Educação Infantil. Volumes disponíveis no site: www.mec.gov.br.
3O trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto Capacitar na Educação Infantil, desenvolvido na cidade de São Paulo, em 2008. (ver Ficha Técnica)
Lista de livros lidos
Berçario 1:
- A arca de Noé, de Vinicius de Moraes. Ed. Cia. das Letrinhas.
- Boniteza silvestre, de Lalau e Laurabeatriz. Ed. Peirópolis.
- Meu poema abana o rabo, de Almir Correa. Ed. Biruta.
- Passa passa passarinho, de Cleonice Bourscheid. Ed. Edunisc.
- Rãzinha cantora e outros poemas, de Regina Chamlian e Helena Alexandrino. Ed. Paulinas.
- Um passarinho me contou, de José Paulo Paes. Ed. Ática.
Berçario 2:
- A casa sonolenta, de Audrey e Don Wood. Ed. Ática.
- Bruxa, bruxa venha à minha festa, de Arden Druce, Ed. Brinque Book.
- Devagar, devagar, bem devagar, de Eric Carle. Ed. Brinque Book.
- Fome de urso, de Heiz Janisch e Helga Bansch. Ed. Brinque Book.
- Macaco danado, de Julia Donaldson e Axel Scheffler. Ed. Brinque Book.
- Rápido como um gafanhoto, de Audrey e Don Wood. Ed. Brinque Book.
Ficha técnica
Programa: Capacitar Educação Infantil
Parceria: Grupo Gerdau e Instituto C & A
Responsabilidade técnica: Instituto Avisa Lá
Desenvolvimento: Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
Coordenadoria de Ensino: São Mateus
Formadora de apoio: Cinthia Soares Manzano
E-mail: cinthiamanzano@hotmail.com
Coordenadora pedagógica do projeto: Maria Virgínia Gastaldi
Para saber mais
Livro
- Bem-vindo, mundo! Criança, cultura e formação de educadores, de Silvia Pereira de Carvalho, Adriana Klisys e Silvana Augusto (orgs.). Instituto C&A, Instituto Avisa Lá e Ed. Peirópolis. Tel.: (11) 3816-0699.
Conheça mais atividades propostas para crianças de creche em edições da revista Avisa lá: Mural de marcas, edição 37, de fevereiro de 2009; Cestinhas-surpresa – regularidade e diversidade: componentes fundamentais no planejamento de atividades para bebês, edição 16, de outubro de 2003; e Álbum do bebê, edição 18, de abril de 2004.
Fonte: http://avisala.org.br/index.php/assunto/tempo-didadico/interacao-no-bercario/
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