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Entre as atividades hoje mais freqüentemente sugeridas para despertar e desenvolver o gosto (quase sempre chamado de hábito) pela leitura, encontram-se a transformação do texto narrativo em roteiro teatral e subseqüente encenação; a reprodução, em cartazes ou desenhos, do tema, da história ou de personagens do livro; a criação, a partir de sucata, de objetos ou colagens de alguma forma relacionados à história; as pesquisas que aprofundam algum tópico que o texto aborda; o prosseguimento da história, sua reescritura com alteração do ponto de vista; entrevista (real ou simulada) com autor ou personagens do livro; jogral ou coro falado quando se trata de poemas; e tantas outras, familiares a quem tem intimidade com a literatura infantil.
A freqüência com que essas atividades são sugeridas em fichas de leitura, encartes, suplementos e similares só se compara à sofreguidão com que, quando ausentes, são solicitadas pelos caros mestres, às voltas com a árdua tarefa não só de fazer com que seus alunos leiam, mas, principalmente, de fazer alguma coisa com o que seus alunos efetivamente leram! A inclusão de sugestões de atividades em livros destinados ao público infantil já foi interiorizada como necessidade pelos professores, que as solicitam quando não as encontram no livro que escolhem para seus alunos:
Até hoje a editora não preparou nenhuma “ficha de leitura” ou “ficha de interpretação” do Gênio do Crime, como é uso em outros livros dados em classe, a pedido meu. Acho que tais fichas delimitam a apreciação do livro e a uniformizam.
Nas visitas que tenho feito em classe, desde 1969, encontrei ótimos professores que, segundo seu critério e segundo o adiantamento da classe, adotam este ou aquele tipo de trabalho, muitos excelentes e originais.
Não é minha intenção impor um método de trabalho sobre O Gênio do Crime. Os professores que já experimentaram seus métodos particulares devem continuar a fazê-lo. O método ideal de exercício surge sempre da conjunção do modo de ser do professor com o modo de ser da classe, coisa personalíssima e que uma ficha de leitura não pode prever.
Acontece que a editora, há vários anos, continua recebendo solicitações para que O Gênio do Crime venha acompanhado de uma ficha de leitura. Atendendo a estes pedidos elaborei as seguintes alternativas de métodos de trabalho. O depoimento de João Carlos Marinho registra o momento em que os professores delegam a terceiros o planejamento das atividades de leitura que desenvolverão com seus alunos. Se na origem dessa distorção está o despreparo do magistério, seu achatamento salarial, a precariedade das condições de seu exercício profissional, reconhecer tudo isso não diminui a gravidade do fato de que a leitura patrocinada pela escola de hoje parece sofrer de uniformização.
Essa uniformização, no entanto, pode passar despercebida, pois muitas vezes vem embrulhada em propostas que, em nome de uma leitura lúdica e criativa, gerenciam o envolvimento com o texto, imergindo a leitura em atividades que apenas simulam criação e fantasia:
Ao lermos a história do Capitão Argo e sua nave prateada no planeta das árvores chamejantes que o Fausto Cunha inventou e que naturalmente vai interessar – e muito – aos pré-adolescentes, podemos convidar o pessoal para embarcar numa nave imaginária e viver suas próprias peripécias. Para isso, precisamos preparar o espaço da viagem. O espaço propriamente dito, os possíveis itinerários, o local da decolagem e aterrisagem, a duração da viagem e assim por diante.
Tiramos as cadeiras da sala de aula (se possível) ou as afastamos para um canto. Limpo o chão, embarcamos em nossas naves individuais ou em pequenos grupos e nela soltamos a nossa fantasia num vôo realmente sem limites. A nave espacial flutua (e o nosso corpo flutua junto) e nos leva a espaços desconhecidos e a mil aventuras. (Guia de Leitura 4. 4ª Ciranda de Livros. Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. P. 26.)
Sem atenção para níveis metafóricos do texto e da leitura, essa proposta referencializa e banaliza o ato de ler. Condena à pobreza da improvisação teatral sugerida a viagem de cada leitor; embarca-o numa nave, necessariamente pobre ao confinar-se ao espaço (mesmo sem carteiras!) de uma sala de aula; empobrece a viagem ao cristalizá-la num itinerário prévio, ao encolhê-la a uma duração definida.
Não se trata, evidentemente, de dizer que tais atividades são desaconselháveis, prejudiciais, más em si mesmas. Nada, em si mesmo, é bom ou mau.
O problema é que atividades sugeridas indiferenciadamente para muitos milhares de alunos, distribuídos em pacotes endereçados a anônimos e despreparados professores, passam a representar a varinha mágica que transformará crianças mal alfabetizadas e sem livros disponíveis em bons leitores. Favorecem ainda a crença de que sua realização operará o milagre de transformar os professores em orientadores de leitura, fazendo vista grossa à sua pouca familiaridade com livros, não questionando sua leitura quantitativa e qualitativamente muito pobre, deixando intocada sua estranheza face a práticas mais significativas da linguagem. Na rotina de tais atividades camuflam-se riscos sérios de alienação da leitura.
Aí, sim, tais atividades são más, desaconselháveis, prejudiciais.
Atenção: este texto foi extraído do livro Do Mundo da Leitura, para a Leitura do Mundo, de Marisa Lajolo, Editora Ática, SP, que faz parte do acervo doado às cidades no Projeto de Luz. Quem tiver interesse em ler os outros textos ligados a essa pesquisa da autora pode procurar pelo livro.
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