terça-feira, 16 de julho de 2013

AS MÚLTIPLAS FACES DA AVALIAÇÃO

A avaliação, entendida como um processo amplo de tomada de decisões no âmbito dos sistemas de ensino, é algo recente no Brasil. Temos pouco mais de uma década de avaliações sistemáticas. Hoje, quase todos os estados e muitos municípios contam com seu próprio sistema de avaliação. Em todos, mais do que conteúdos, são analisados competências e habilidades, o próprio currículo, os hábitos de estudo dos alunos, as estratégias de ensino dos professores, o tipo de gestão dos diretores e os recursos a eles oferecidos para melhor realizar o seu trabalho.
A avaliação é condição necessária para que se possam estabelecer e acompanhar metas qualitativas e quantitativas e verificar se estas últimas são atingidas.
Há, portanto, necessidade de contar com mecanismos que permitam produzir informações sobre o que se ensina e o que se aprende nas escolas e sobre a forma de dar mais transparência aos sistemas educacionais perante a sociedade.
Fala-se muito em mudanças e inovações do sistema educacional estimuladas pela avaliação. Qualquer mudança, no entanto, tem de ser assumida e implementada dentro das escolas. Mudar a educação é mudar a escola. Se tivermos a intenção de usar a avaliação para melhorar a educação, esta terá que ser trabalhada dentro das escolas, sendo seus resultados utilizados efetivamente pelos professores e alunos no cotidiano da relação ensino x aprendizagem.

Avaliação externa e interna

A avaliação de um sistema de ensino deve se basear, também, na avaliação das escolas por elas próprias. Nesse caso, além das avaliações nacionais, estaduais e municipais, cada escola deve se autoavaliar quanto a seus programas, projetos, materiais pedagógicos, recursos, professores, alunos, a sua gestão, infraestrutura e a seu pessoal de apoio.
A importância de a escola se autoavaliar está no fato de que, sendo o local onde as coisas acontecem, é, também, onde se dá o diálogo entre equipe, pais, alunos e autoridades gestoras do sistema. Toda a comunidade escolar deve ser preparada para poder combinar os produtos das avaliações externa e interna. Só uma boa e séria avaliação interna permitirá às escolas a construção de um diálogo efetivo com a avaliação externa. Quando isso não ocorre, a avaliação externa pode gerar atitudes defensivas, não atingindo seus objetivos.
A avaliação intraescolar é um processo que exige uma tomada de consciência da importância da avaliação para que se estruturem processos de mudanças. Envolve, ainda, descentralização e treinamento de equipes escolares.
Cabe aos gestores de políticas públicas em educação, agora que a avaliação já está sendo institucionalizada, tomar iniciativas para que grupos de escolas se reúnam, discutam seus problemas, formulem estratégias de avaliação, utilizem a linguagem da avaliação, descubram suas potencialidades e adequem suas ações às necessidades específicas de suas clientelas.
Ninguém, na realidade, aprende a avaliar discutindo conceitos de avaliação. É preciso experimentar, tentar, criar estratégias, envolver a equipe, tendo como horizonte melhorar a qualidade da educação e diminuir índices negativos, sejam de desempenho, evasão ou repetência. Normalmente, deve-se selecionar alguma questão e envidar esforços para praticar a avaliação interna sobre ela. Não é difícil organizar uma base de dados por escola, base esta que deverá conter índices de matrícula, evasão, desempenho, repetência, projetos implementados, currículo praticado e tudo o que for julgado pela equipe como insumo necessário à avaliação da escola.
Envolver professores, pais e alunos na tarefa de avaliação intraescolar não é fácil, mas não é impossível. À medida que as escolas começarem a efetuar suas próprias avaliações internas, haverá maior facilidade em obter subsídios a partir das avaliações externas, de tal forma que o processo avaliativo cumpra sua função: mudar o que precisa ser mudado, aperfeiçoar o que precisa ser aperfeiçoado, construir o que precisa ser construído.
A avaliação, portanto, deve servir de base para o diálogo e não para dar origem a descrições assertivas e unilaterais. Escolas habilitadas à avaliação interna entenderão que avaliar é um processo contínuo, coletivo e não uma atividade isolada. Dessa forma, se envolvidas em sua própria avaliação, as escolas terão condições de se confrontar com diferentes perspectivas e conclusões.
Alunos, professores e gestores de escolas devem se tornar participantes ativos dos diálogos de avaliação em vez de serem recipientes passivos das descrições e dos julgamentos feitos. O papel de uma avaliação externa é o de fazer com que as escolas tenham um olhar de estranhamento sobre elas próprias. Esse tipo de avaliação oferece, ainda, possibilidades de observar o desempenho dos alunos, mas também tem limites, o que torna indispensável a avaliação em sala de aula, pelo professor.

Limites e possibilidades das avaliações externas

Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro vem desenvolvendo avaliações externas, bimestralmente, em duas disciplinas, Língua Portuguesa e Matemática. Todos os alunos do Ciclo Intermediário ao 9º ano realizam testes com a finalidade de aferir as habilidades por eles dominadas nessas disciplinas. Cada professor recebe o resultado de sua própria turma, o que permite que cada escola e cada turma olhem para si próprias e percebam o nível de domínio já alcançado nas habilidades propostas ou o que fazer para levar seus alunos a alcançá-lo.
Os testes organizados pelos especialistas da Secretaria Municipal de Educação adotam o modelo de múltipla escolha, por este fornecer uma série de possibilidades, entre as quais destacamos a  redução da subjetividade na correção, a possibilidade de avaliar uma grande quantidade de habilidades, a discriminação precisa do nível de domínio de cada habilidade testada e a possibilidade de cada professor verificar, através do percentual de acertos de seus alunos, como sua turma se encontra em relação ao conjunto de alunos do município. No entanto, esse formato tem limites, tais como a dificuldade na elaboração de itens de acordo com as habilidades requeridas, dentro do nível de complexidade exigido. Há, também, o problema de não avaliar a escrita dos alunos, só a leitura e a interpretação de textos, além de não permitir verificar o desenvolvimento do raciocínio matemático, isto é, o aluno examina e escolhe alternativas propostas, mas não expressa suas próprias ideias.
Mesmo oferecendo limitações, os testes de múltipla escolha são a melhor forma de se acompanhar o desenvolvimento das habilidades dos alunos de todo um sistema educacional. Seus limites podem e devem ser revistos pelos professores. Se cada professor, depois dos testes de múltipla escolha, refizer todas as questões com seus alunos sob a forma de perguntas abertas, certamente, esses limites impostos pela necessidade de se usar um determinado tipo de questão desaparecerão.

O papel da avaliação do professor

Nos parágrafos anteriores, fica clara a necessidade de diálogo entre os diferentes tipos de avaliação, porém, é relevante discutir a grande importância das avaliações realizadas pelos professores em sala de aula.
A avaliação do professor deve ser  formativa, indo além das demonstrações do “saber” de seus alunos, enfocando hábitos, atitudes e  valores a serem construídos e solidificados. Certamente, deve ser diagnóstica, verificando possíveis problemas na formação de conceitos e habilidades, antes que essas dificuldades se transformem em grandes problemas. Um claro exemplo disso é o da formação do conceito parte-todo, que está na raiz da resolução de problemas que envolvem frações e decimais, presente em todas as séries do Ensino Fundamental.
O desenvolvimento dos alunos e seus desempenhos podem ser bastante aprimorados quando as informações de vários tipos de avaliações, não necessariamente testes e provas, são usadas pelos professores para discussão com seus alunos. São também formativas as informações sobre o rendimento do trabalho do aluno em diferentes grupos, projetos e a própria participação de cada aluno em  sala de aula. Nada, portanto, substitui a avaliação professor/aluno.
Além disso, em geral, os próprios professores realizam suas avaliações somativas ou informativas ao fim de cada unidade de trabalho ou bimestre e, a partir do que detectam, normalmente, reveem habilidades não de todo dominadas, modificam estratégias de ensino, retomam conceitos sem se ater  pura e simplesmente a lançar novos conteúdos e habilidades prescritas no currículo. É importante, também, levar os alunos a se engajarem no processo de avaliação, nos diversos momentos da sala de aula, de tal modo que a avaliação participativa desmistifique a avaliação final como modelo único.
Como conclusão, pode-se afirmar que, se todos os tipos de avaliação dialogarem entre si, os maiores beneficiários desse diálogo serão os alunos. Na realidade, a avaliação deve deixar de ser um discurso de descrição e julgamento para se tornar um discurso de diálogo.

*Doutora em Educação PUC/Rio



Referências bibliográficas



LOCATELLI, I. Construção de instrumentos para a avaliação em larga escala e indicadores de rendimento: o modelo do Saeb. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 25, p.3-21, 2002.



(_______) Novas Perspectivas de Avaliação. Ensaio – Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, p. 475-487, outubro/dezembro 2001.



PERRENOUD, P. Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.



(_______) Prática pedagógica, profissão docente e formação. Portugal: Editora Dom Quixote, 1996.



(_______) Avaliações em educação: novas perspectivas. Porto Editora, 1995.



SACRISTAN, G. Consciência e ação sobre a  prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, Profissão, Professor. Porto Editora, 1995.




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