sexta-feira, 31 de maio de 2013

O BRINCAR NA ESCOLA

Não basta compreender que o brincar é importante nas unidades de educação infantil, é preciso saber como proporcioná-lo para que seja rico e significativo para as crianças


Atualmente, é possível dizer que, na maioria das instituições de Educação, a brincadeira é reconhecida pela sua importância. Afinal, estudos realizados em Antropologia, Sociologia, Psicologia e Linguística têm apontado que brincar é o principal modo de expressão da infância. Brincando, a criança aprende a viver e a se desenvolver. Segundo o documento Orientações curriculares: expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para Educação Infantil, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de 2007, é durante a brincadeira que os pequenos têm a oportunidade de explorar o mundo, ampliar a percepção sobre ele e sobre si, organizar o pensamento e trabalhar os afetos. Diferentes pesquisadores apontam o faz-de-conta como o responsável por promover a capacidade de imaginar e criar.

Nesses momentos lúdicos, a criança representa situações vivenciadas (ou que gostaria de vivenciar) e, assim, se relaciona com seus pares. É também nessa hora que ela pode se comportar de maneira mais avançada em relação à sua idade. Ela aprende a desempenhar papéis, a reproduzir gestos e falas de pessoas ou de personagens de histórias e a inventar roteiros por meio das linguagens corporal, musical e verbal. Considerando que, hoje, meninos e meninas passam a maior parte do tempo na escola – principalmente, nas grandes cidades –, esses espaços podem tornar-se também ambientes privilegiados para o brincar. A rua não oferece mais a segurança necessária para as atividades infantis e os quintais foram suprimidos pela crescente verticalização. Também é na escola que a meninada tem mais oportunidade de conviver em grupo.

Sendo assim, parece ser consenso que a instituição escolar acolha a brincadeira como uma das principais ocupações da infância e promova atividades que favoreçam a criação de situações imaginárias para atuar em seus processos de desenvolvimento. O psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) assinala que uma das funções do brincar é permitir que a criança aprenda a elaborar e a resolver situações conflitantes que ela vivencia no dia a dia1. Para isso, ela usará capacidades como observação, imitação e imaginação. O autor também afirma que é por meio da imitação que a criança aprende. Ao imitar, ela não está simplesmente copiando um modelo e, sim, reconstruindo aquilo que observa nos outros. Assim, terá a oportunidade de realizar ações que estão além de suas capacidades. Isso ocorre quando ela faz de conta que é médico, mãe, professor etc.
Este artigo2 revela um trabalho que teve como objetivo pesquisar a presença e as características da brincadeira em instituições de Educação Infantil. Se atualmente é reconhecida a importância da brincadeira dentro do espaço escolar, como se dá sua consideração real, pelos professores, no cotidiano das crianças? O fato de a brincadeira ser reconhecida como fundamental para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, endossado por diferentes teóricos da Educação, garante, realmente, sua presença nas instituições e com que qualidade? Será que os professores de creches e de pré-escolas se preocupam em planejar e organizar o espaço e os materiais para utilização durante as brincadeiras? Como se organizam? Será que eles interagem e brincam com os pequenos? Para essa investigação, foram realizadas observações em duas escolas de Educação Infantil, ambas da rede particular de ensino, localizadas na zona oeste da cidade de São Paulo.
A vida como ela é (1)

Ao entrar na sala de um grupo de crianças de 3 e 4 anos, a professora me explicou que sempre organiza os cantos de atividades diversificadas no momento de chegada. Quatro mesas estavam dispostas pela sala, cada uma com quatro cadeiras ao redor. Em uma mesa, havia papel e giz de cera; em outra, letras móveis de E.V.A. [Etil Vinil Acetato]; em uma terceira, alguns animais de plástico (cavalo, porco, vaca) e, por fim, uma com panelas, pratos, copos e talheres de plástico. A professora me explicou que esse era o kit de jogo simbólico3 que servia para as brincadeiras de casinha.

Aos poucos, os pequenos foram chegando. Cada um guardava sua mochila e se acomodava em volta de uma das mesas. A professora, em nenhum momento, interagiu com eles. Ela e a auxiliar de sala circulavam pelo espaço, olhavam as agendas para verificar se havia recado, guardavam alguns papéis e conversavam com os pais que chegavam com os filhos. Três crianças escolheram o canto do jogo simbólico para brincar, mas, após 5 minutos, a professora avisou que já era hora de guardar os brinquedos para sentar em roda.
Após o lanche, foram brincar no parque, em chão cimentado e com uma casinha de boneca de alvenaria. A professora disponibilizou os triciclos para que pudessem brincar, e ficou escrevendo nas agendas. As crianças andavam em círculos com os triciclos e brincavam de dar trombadas. Duas meninas logo desistiram e entraram na casinha, onde havia apenas uma cama de madeira. As garotas logo saíram. Foram até um banco e se sentaram. Depois, deitaram e sentaram novamente para observar os colegas andando de triciclo. Após um tempo, a professora disse que poderiam brincar de Dança das cadeiras ou de Peixinho vermelho. Em votação, a maioria escolheu Peixinho vermelho. A brincadeira funciona da seguinte maneira: duas linhas paralelas são riscadas no chão para demarcar o espaço do rio. Uma criança é escolhida para ser o peixinho, que deve ficar no rio. As outras crianças ficam de um dos lados do rio e perguntam: “Peixe vermelho, podemos passar pelo rio vermelho? O peixe responde: “Só quem tiver a cor”. As crianças perguntam: “que cor?”. O peixe escolhe uma cor e apenas a criança que tiver a cor escolhida pode atravessar o rio. Aquele que não tiver a cor deve atravessar correndo para não ser pego. Quando o peixe vermelho consegue pegar alguém, este também se torna peixe e passa a ser seu ajudante. Uma das crianças disse que não queria brincar; então, ficou sentada observando.
A vida como ela é (2)

Cheguei à outra escola no momento em que a turma brincava nos parques. Em um deles, composto por um tanque de areia com escorregador, duas casinhas de madeira e diversas árvores frutíferas, algumas crianças viram um pedaço de barbante amarrado nas cercas em volta do tanque de areia e começaram uma conversa:

Criança – Acho que foi o saci!
Criança – Vamos fazer uma armadilha!
Criança – É!
Criança – Como?

Um dos meninos pegou alguns rolos de papelão na sala de Arte. O grupo ficou por um tempo tentando construir algo, mas não conseguiu. A professora de Arte, que prestava atenção em tudo o que a turma fazia desde o início, resolveu intervir:
Professora – O que vocês estão fazendo?
Criança – Uma armadilha para o Saci.
Professora – Querem ajuda?
Crianças – Sim!

A educadora resolveu entregar ao grupo rolos de barbantes. No próprio tanque de areia, as crianças começaram a entrelaçá-los formando algo parecido com uma grande cama de gato. Uma menina chegou e perguntou:
Criança – O que é?
Crianças – Armadilha para o Saci.
Criança – Então vamos colocar folhas para disfarçar!

Os envolvidos começaram a pegar folhas caídas no chão e a prendê-las entre os barbantes. Um dos meninos, que havia saído por um tempo, voltou e perguntou:
Criança – E aí, como é que tá indo a armadilha?
Professora – Tá ótima! Estamos esperando o Saci aparecer.

As crianças começaram a brincar fingindo que estavam se enroscando na teia:
Criança – Socorro! Alguém me ajuda! Olha o que o Saci fez!
Criança – Ai, eu tô presa!
Criança – Consegui sair!

Uma garota, enquanto pegava uma pedra, disse:
– Tive uma ideia! Vou deixar essa pedra aqui. Aí o Saci vai pegar, vai cair no pé dele e aí a gente vem aqui.
Tocou o sinal e todas foram lanchar. Depois, ouviram uma história de Saci Pererê. No fim da narração, o grupo foi até o tanque de areia para ver se a armadilha havia funcionado.
Criança – Achei o gorro do Saci!
Professora – E cadê o Saci? Tá aí?
Criança – Não. O Saci desmontou a armadilha.
Professora – Mas eu tenho uma boa notícia: quando o Saci perde o capuz dele, ele perde os poderes.
Criança – Da próxima vez que ele vier eu vou bater nele!
Professora – Eu acho que a gente não conseguiu porque não ficou boa. A gente pode treinar desenho de armadilha para depois fazer uma armadilha bem boa.


Papel do educador

Desde o nascimento, a criança interage com diversos parceiros. O mais importante deles, na escola de Educação Infantil, é o professor. Cabe a ele ser sensível às necessidades e desejos dos pequenos, fortalecer as relações que eles estabelecem entre si, envolvê-los em atividades significativamente variadas e otimizar o uso pedagógico de diferentes recursos. A maneira como o educador desempenha seu papel é fundamental na experiência de aprendizagem de cada um de sua turma, já que ele é um modelo importante na formação de atitudes. Além disso, cabe a esse profissional auxiliar na organização das brincadeiras para que mais tarde as crianças tenham autonomia para brincar sozinhas. O documento Orientações curriculares: expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para Educação Infantil define quatro elementos que podem auxiliar o professor em seu planejamento: as interações e as relações, o manejo do tempo, a estruturação do espaço e a seleção e o uso de materiais.
Para garantir que a brincadeira aconteça e se desenvolva, o professor deve estar presente, mas isso não significa que ele deva intervir e propor brincadeiras o tempo todo. Ele pode agir indiretamente ao observar as crianças, organizar o ambiente e ajudá-las na escolha de materiais que poderão enriquecer mais a brincadeira.
Organização do espaço e dos materiais

O ambiente que será explorado pelas crianças deve estimular suas sensações, afetos, cognição e imaginação. Os educadores e os demais membros da equipe escolar precisam pensar como o espaço pode ser estruturado para acolher as experiências de aprendizagem, que são promotoras do desenvolvimento infantil. Para isso, é fundamental garantir que o ambiente seja aconchegante, acolhedor, seguro, estimulante e organizado. É importante que, periodicamente, apresente novidades, mudanças. É preciso também observar seu efeito sobre as interações dos pequenos e avaliar se os objetivos pretendidos foram atingidos.

Além de garantir a brincadeira, é necessário também permitir a oferta de diferentes materiais que enriquecerão ainda mais, como caixas de papelão, bolas, cordas, máscaras, carros, bonecos, sucata, entre outros. O tipo, o número, a variedade dos objetos e o modo como são dispostos, podem auxiliar (ou dificultar) o desenvolvimento da autonomia da turma na realização das atividades. Ao organizar e selecionar os objetos, o professor deve equilibrar a oferta de brinquedos convencionais, tradicionais, industrializados e de materiais menos estruturados (como tecido, papelão e sucata). Afinal, cada objeto cria diferentes oportunidades de ação.








segunda-feira, 27 de maio de 2013

HISTÓRIAS AFROS PARA CRIANÇAS

Por Carolina Cunha
Ilustração do livro O Cabelo de Lelê

“Era uma vez uma menina linda, linda. Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos enroladinhos e bem negros. A pele era escura e lustrosa, que nem o pelo da pantera negra na chuva. Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela e enfeitar com laços de fita colorida. Ela ficava parecendo uma princesa das terras da áfrica, ou uma fada do Reino do Luar.”

Assim começa o livro Menina Bonita do Laço de Fita, um dos maiores sucessos da premiada escritora Ana Maria Machado. Esse é um dos livros favoritos da servidora pública Paula Rosa, 41, que costuma contar histórias para sua filha Mariana, de seis anos. 

Para a mãe, o livro ajuda a menina a lidar com a diversidade e a autoestima. “Achei muito delicado. Espero que ela não caia na armadilha desses padrões de beleza que existem por aí”, conta a brasiliense, que é negra e se preocupa em como a filha vai lidar na escola como o preconceito racial ainda existente na sociedade. “Ela tem que se achar bonita exatamente do jeito que é”.

Se, há alguns anos, esse tipo de livro era quase uma raridade no mercado, agora cada vez mais as editoras apostam em obras infantojuvenis que abordam temas raciais e histórias de matriz africana.

São títulos que estimulam reflexões sobre a diversidade, mas também prometem divertir as crianças com mitos e lendas, transmitidas por contadores de histórias às novas gerações de filhos e netos do velho continente.

“Os livros africanos não são bons apenas para crianças negras, são bons para qualquer criança”, acredita Ana Beatriz Almeida, educadora e pesquisadora de cultura afro-brasileira. O livro preferido da carioca no gênero é o Sikulume e Outros Contos Africanos, que traz mitos muito antigos que resgatam uma África de tempos imemoriais. 

“Os contos africanos não estão ligados à religiosidade, estão ligados à cultura. Eles partem da ancestralidade africana para contar histórias universais. O que é bonito é que eles trazem um referencial diferente para as crianças que estão crescendo num mundo multicultural”, diz Ana Beatriz.

No Brasil, por lei, desde 1996 o ensino da história e cultura afro-brasileira é obrigatório na escola. No Distrito Federal, esse mundo plural já se reflete nas salas de aula. É o caso da professora Vivian Batista, que faz rodas de leitura com seus alunos em Brasília. Segundo ela, a valorização das diferenças é um processo que pede um diálogo aberto.

“As crianças gostam e são muito curiosas. No começo, existia um estranhamento sobre o tema e muitos chegavam com uma visão errada sobre a África. Diziam que é um lugar ‘do mal’, coisas assim. Mas é para isso que estamos aqui. Para ampliar esse conhecimento. A gente lê a história e depois conversa sobre o que ela diz”, conta a educadora.




O Cabelo de Lelê
Lelê é uma linda menininha negra que não gosta do seu cabelo. Ela diz: de onde vêm tantos cachinhos? A resposta chega em um fantástico livro. Uma leitura que valoriza a beleza da herança africana.



Ulomma: A Casa da Beleza e Outros Contos
"Ulomma, Casa da Beleza" é uma coletânea de contos que mostram a rica tradição oral africana guardada pelo autor, que as ouviu de seus pais e avós durante a infância na Nigéria.



 
Bruna e a Galinha D´angola
Bruna era uma menina que se sentia muito sozinha. Sua avó veio da África e sempre lhe contava histórias. Uma que ela gostava era de um bonito tecido pintado à mão, que revelava a história da galinha D´angola, originária da África.


 
As tranças de Bintou
Uma menina africana chamada Bintou tem um sonho: ter tranças no cabelo como todas as mulheres mais velhas de sua aldeia. Quando ela poderá ter tranças longas com miçangas? Bintou aprende a ser feliz com seus quatro birotes no cabelo.






DICA LITERÁRIA + SUGESTÃO DE ATIVIDADES II

Menina Bonita Do Laço De Fita - Col. Barquinho De ...
MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA
MACHADO, Ana Maria
Ed. Ática

SINOPSE:
'Quando eu casar quero ter uma filha bem pretinha´ suspirava o coelho branco. ´Preciso conhecer o segredo´. A menina não sabia, mas acabou inventando receitas, e já estava preparando uma história de feijoada quando sua mãe deu ao coelhinho uma pista...


SUGESTÃO DE ATIVIDADES:

* Antes de realizar a leitura da história, explorar com as crianças a capa e o título do livro, deixando que comentem sobre suas impressões e ideias de como imaginam que a história seja, etc.
* Realizar a leitura da história e em seguida propor uma roda de conversa sobre a mesma, comparando com a ideia inicial que tinham, as impressões que tiveram após a leitura, a parte que mais gostaram, dentre outros assuntos que forem surgindo no momento.
* Solicitar que os pais enviem para a escola fotos da criança com seus familiares, em momentos diversos. Pode-se enviar fotos também de avós, primos, tios... Organizar as fotos em um painel ou mesmo dispôr os alunos em uma roda e as fotos no meio da mesma, de modo que todos possa visualizá-las e comentar sobre elas. As crianças devem perceber as diferenças existentes entre uma família e outra, com quem elas se parecem da própria família, porque tem o cabelo de uma determinada cor ou textura, a cor da pele é igual a de qual familiar...
* Em outro momento, apresentar o vídeo "A cor da cultura" http://www.youtube.com/watch?v=gzMdC-Hwo2I para as crianças.
* Propor uma roda de conversa sobre o vídeo, onde o professor fará um resgate de tudo o que foi trabalhado até o momento (a história do livro, o painel com as fotos...)
* As crianças deverão fazer um auto-retrato em cartolina, pintando o mesmo com tinta guache, onde cada uma irá pintar seu rosto da cor que se enxerga (não interferir na escolha da cor, disponibilizar um espelho, para que se olhem e percebam a cor da própria pele). Colocar moldura e expôr as obras pela escola. Deixar que comentem sobre a própria produção.
* Realizar uma oficina com as crianças: "Toque no cabelo", onde deverão tocar no cabelo umas das outras, na pele, sentindo as diferentes texturas, percebendo cores... Depois entregar massa de modelar (pode ser feita pelas próprias crianças, com receita caseira) e pedir para que modelem o que ficou mais marcado para elas (pode ser um amigo, determinado tipo de cabelo, seja pela textura ou comprimento, enfim, cada uma irá modelar o que lhe chamou a atenção). Com os trabalhos prontos, deixar que as crianças falem sobre suas percepções e sensações, desde o toque nos amigos até o momento da modelagem com a massinha.
* Em outro momento, entregar revistas para as crianças recortarem gravuras de diferentes tipos de pessoas, que lhe chamarem a atenção. Confeccionar  um "Painel da Diversidade"com as fotos e deixar que falem sobre as gravuras escolhidas, o porquê de as terem escolhido, discutir o porquê das pessoas serem diferentes umas das outras e principalmente fazê-las entender que essas diferenças precisam ser respeitadas e também valorizadas.


domingo, 26 de maio de 2013

RELAÇÕES ETNICORRACIAIS EM ESPAÇO DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Os professores, em sua maioria, não sabem como agir frente a essas situações e, muitas vezes, até as pioram (leia o depoimento na página seguinte). Os pequenos em idade pré-escolar estão em uma fase que pode ser chamada de negociação. Eles negociam a amizade, o poder e também, muitas vezes, as próprias identidades, como as de gênero e, especificamente, a etnicorracial. No entanto, em algumas situações, sobre as quais ainda não há a devida compreensão para a resolução de conflitos, eles atribuem essa negociação ao adulto mais próximo, sendo, quase sempre, o professor. Na compreensão infantil, no momento do conflito, o educador é quem pode auxiliá-la. Porém, nessa e em outras ocasiões, porque o adulto não toma uma atitude diante de uma denúncia feita pela criança?
Em primeiro lugar, é necessário destacar que o(a) professor(a) de Educação infantil faz parte de uma sociedade educada para naturalizar as desigualdades, e que pessoas diferentes, dentre as quais as negras, têm recebido um tratamento inferior. Ao se deparar com a denúncia de uma criança, ele(a) parte do suposto que, talvez, ser xingado não tenha tanta importância, já que todas as crianças brigam e se xingam. E acaba por reproduzir comportamentos e ações de discriminação que ele próprio vivenciou ao longo da vida.
Outra interpretação possível é que a maioria dos professores de Educação Infantil compreende como compromisso social da escola as situações que estejam ligadas apenas às aprendizagens de conteúdos, não considerando, portanto, que sua interferência, em uma situação de discriminação, poderia diminuir ou acabar com a dor e o sofrimento da criança discriminada e possibilitar às outras crianças o desenvolvimento de um comportamento pautado pela igualdade. Vale lembrar que o preconceito e a discriminação envolvem várias sensações, dentre elas a impotência, a solidão e a apatia diante do aprendizado.

“As crianças me ‘xingam’ de preta que não toma banho. Só porque eu sou preta, eles falam que eu não tomo banho. Ficam me xingando de preta cor-de-carvão. Ela me xingou de preta fedida. Contei para a professora e ela não fez nada.” (fala de criança de 5 anos, apresentada na pesquisa “Do silêncio do lar ao silêncio da escola”, de Eliane Cavallero, 2003)

Alerta em relação às datas comemorativas 

Muitos professores de Educação Infantil, por participarem de eventos desenvolvidos pela gestão escolar ou pelo movimento social, nesse caso, o movimento negro, julgam ter compreensão sobre a complexidade das relações etnicorraciais e que estão aptos, portanto, a desenvolverem atividades sobre o tema nas escolas. Fazem, por exemplo, o que é possível constatar em outro depoimento apresentado por Cavallero (2003):

Engraçado que sempre vem essa história de cor. E o mês de agosto é uma ótima época para se falar disso, porque a gente tem o Saci-pererê, a mula-sem-cabeça, o índio. E é a época do folclore. E é uma festa. Você aproveita uma data que é muito mágica e transforma isso. (depoimento de professora de Educação Infantil na pesquisa “Do silêncio do lar ao silêncio da escola”, de Eliane Cavallero, 2003).

Nessa situação descrita por uma professora, há algumas considerações. Não apenas educadores de Educação Infantil têm utilizado datas específicas para trabalhar as diferenças etnicorraciais, como, por exemplo, a Abolição da Escravatura, no dia 13 de maio, ou, ainda, o mês de agosto, por causa do Dia do Folclore Brasileiro. Entretanto, há necessidade de ações educativas planejadas, de intervenções diante das situações cotidianas e de conteúdo para trabalhar com a temática. Para o movimento negro, por exemplo, o dia 13 de maio não é comemorado em função, principalmente, da falácia em que está inserida a história oficial da libertação do povo negro no Brasil. Para o movimento é celebrado o dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, que marca a morte do líder Zumbi dos Palmares1.
Outra questão que tem entendimento enviesado é considerar que o Dia do Folclore Brasileiro tem alguma ligação com a questão das diferenças etnicorraciais. Nesse caso, é necessário questionar: será que alguma criança – negra ou indígena – se sente identificada com qualquer um dos personagens do folclore brasileiro? A conclusão é não.
Nesse sentido, enfatizo que algumas situações e conteúdos podem levar as crianças – negras e indígenas – a situações constrangedoras, colaborando negativamente para a constituição de sua identidade. Sendo assim, a proposta é que as diferenças etnicorraciais sejam trabalhadas nas unidades de Educação Infantil com atividades e conteúdos adequados à faixa etária.

Conhecer para transformar

O que devo ou posso fazer? Essa é a pergunta mais usual formulada pelos professores em processos formativos sobre relações etnicorraciais. Entre 2008 e o primeiro semestre de 2009, realizei pesquisa de campo2 em uma unidade de Educação Infantil, na cidade de São Paulo – SP com o objetivo de verificar quais os sentidos e significados que crianças pré-escolares atribuíam à sua identidade etnicorracial. Nos primeiros contatos que tive com elas, descobri que eu sofria de um mal que assola a maioria dos adultos.
Eu não sabia escutar as crianças e as considerava ingênuas. Esses contatos foram primordiais para minha compreensão dos pequenos. Logo nas primeiras visitas, percebi que eles vêem o mundo de outro ponto de vista e que suas habilidades e sensibilidade de compreensão social, suas inteligências múltiplas e criatividade para solucionar problemas muitas vezes sem solução aos olhos adultos, eram muito coerentes.
Prontamente, esses contatos me fizeram reconsiderar algumas de minhas compreensões sobre como trabalhar as relações etnicorraciais na Educação Infantil. Antes, pensava sempre a partir da perspectiva do professor, e não havia refletido sobre a possibilidade de ouvir diretamente as crianças, escutando o que elas têm a dizer para depois trabalhar com os adultos. Assim construí um novo olhar acerca da questão a partir dos depoimentos das e com crianças. Leia o depoimento a seguir de uma professora participante de um curso de formação:
No ano passado, chegou uma estudante de pedagogia para realizar estágio no CEI. Era uma moça negra. Expliquei o funcionamento do espaço e fui apresentá-la para a professora com a qual ela ficaria durante o tempo em que permanecesse na escola. Era uma sala com crianças de 4 e 5 anos. Bati na porta e a abri, apresentei a estudante para a professora e para a turma. De repente, um menino branco, de 4 anos, disse: “Ela pode se sentar naquela mesa… porque é naquela mesa que os negros podem sentar”. Tanto a diretora, segundo ela, quanto a professora nunca haviam percebido que todas as crianças negras sentavam-se juntas, em uma mesa, em um canto da sala”.
Recentemente, quando reli esse depoimento, compreendi que a professora, ao decidir trabalhar com a temática das diferenças etnicorraciais na Educação Infantil, tem de necessariamente aprender e reaprender a escutar e prestar a atenção ações das crianças. No depoimento citado, a criança coloca com muita nitidez a maneira como ela está se apropriando dos códigos sociais, onde está em jogo a identidade etnicorracial: a sua (como um menino branco) e a dos outros (os negros). Os outros que, por uma questão de sobrevivência, criam cumplicidades e permanecem em grupos isolados. Um professor atento deve ter como objetivo verificar as negociações que as crianças estabelecem sobre, por exemplo, quem pode ou não sentar com elas, ser ou não amigo. A atenção pode ser uma ótima estratégia para compreender e intervir, buscando atividades pedagógicas para a idade dessas crianças. Essa ação certamente contribuirá para a não reprodução de novas identidades pautadas na superioridade das crianças brancas e inferioridade das negras.
Leia a seguir outro depoimento que contribuiu para a mudança na minha maneira de pensar sobre as diferenças etnicorraciais na Educação Infantil:

Havia um grupo de crianças entre 3 e 4 anos brincando no parque. Eu me aproximei para verificar o teor da brincadeira. Perguntei: “Do que vocês estão brincando?” “Casinha”, responderam. Perguntei então: “E o que é que o ‘fulaninho’ é nessa brincadeira?” “Ele é o nosso cachorro”, responderam. “E porque ele é o cachorro?”, perguntei. “Porque ele é preto”, responderam.

Ao término desse depoimento, fiquei perplexa. Esse tipo de relato é uma demonstração de que pelas falas das crianças, em suas brincadeiras, é possível perceber as negociações necessárias para a constituição de suas identidades etnicorraciais igualitárias. A partir disso, podem ser feitas novas proposições.

Trabalhar no cotidiano

Alguns estudiosos das relações etnicorraciais têm defendido a necessidade de desenvolvimento de projetos específicos para o trabalho com a temática. Nesse sentido, tendo como base as observações feitas na pesquisa que realizei, é preciso ficar atento ao ambiente escolar para identificar materiais, objetos e situações que propiciem a discriminação, neutralizando-os imediatamente.
Todos os projetos didáticos, sequências e atividades permanentes devem ser planejados de modo a contemplar as relações etnicorraciais. Ao elaborar um projeto de leitura de história de princesas, por exemplo, além da Branca de Neve ou da Cinderela, é necessário incluir histórias de princesas negras, índias. É preciso pensar além de situações esporádicas nas quais as crianças negras podem vivenciar e se sentir expostas e constrangidas, como, por exemplo, realizar atividades apenas na Semana da Consciência Negra.
Para tanto, é urgente que os educadores privilegiem a relação dialógica, em que a criança tenha voz, seja mais que ouvida, escutada. Essa mudança de postura pode facilitar a compreensão do mundo infantil e suas relações. Isso poderá garantir conteúdos significativos que resultem em intervenção dentro dos espaços infantis e no direcionamento de políticas públicas para a educação das crianças pequenas. É fundamental a reflexão por parte das equipes envolvidas sobre os papéis de cada profissional – professores e gestores – como reprodutores ou produtores de novas possibilidades para as crianças constituírem identidades positivas.
Essa reflexão se faz necessária ao se considerar a situação de privilégio da maior parte das crianças brancas, que pode ser impulsionada fundamentalmente pelos professores, contribuindo para o não reconhecimento do processo de constituição da identidade – dela e dos outros – e, consequentemente, da sociedade. Considerando que a Educação Infantil é, em muitos casos, um dos primeiros espaços de formação identitária, esse tipo de comportamento contribui para que os pequenos cristalizem papéis sociais originados em desigualdades. Portanto, o papel do docente deve ser permanentemente o de questionar a realidade social, econômica e política em que se vive.

Conversa como possibilidade

Utilizei a roda de conversas como um dos momentos de observação. Em um dos dias da semana, as crianças levavam seus brinquedos para a escola e o dia começava com uma roda de conversas sobre os objetos. Sentava-me com a professora e as crianças em uma roda para participar da atividade e para escutar o bate-papo. Todas as semanas apareciam novidades, já que muitas se preparavam para o momento de brincadeira e, por isso, levavam seus melhores brinquedos – novos ou os que elas mais gostavam.
Com o tempo, pude compreender que a roda de conversa, estimulada com objetos, suscitava outros fatores interessantes de ser observados e analisados, como, por exemplo, as diferenças de classes sociais no grupo. Isso porque havia crianças que nunca levavam brinquedos. Havia também a diferença estabelecida entre meninos e meninas. As garotas estavam sempre com suas bonecas e fogões, enquanto os garotos ficavam com seus carrinhos e monstros. Tais diferenças também se concretizavam posteriormente, no momento da brincadeira, com a separação nítida entre os grupos de meninos e meninas. A temática etnicorracial tinha palco nessa roda por vias diversas. Em um dos dias registrei a seguinte situação:
Giovana, uma menina de 5 anos, levou uma boneca. A professora pegou o brinquedo e disse: “Ela tem traços diferentes. Ela é brasileira?” Lucas e Tamires, que como as demais crianças prestavam atenção à conversa, disseram: “Ela é japonesa”. Ingrid, outra menina, disse: “eu sou chinesa, meus olhos são assim (puxando os olhos para mostrar o quanto é diferente)”. A professora perguntou se sua descendência era chinesa. Ela respondeu: “Não, sou só eu. Eu sei falar inglês”, continuou a menina. “Fala a palavra geladeira em inglês, então”, pediu a professora. Tamires afirmou que sabia falar japonês e também disse uma palavra e fez os gestos de cumprimento em japonês. Ingrid havia levado uma boneca preta. A professora fez a mesma pergunta: “Ela é brasileira? De que lugar ela é?” “Da Europa”, disse Lucas, novamente. “Ela é baiana”, disse outra criança. “Como se chama a boneca?”, perguntou a professora. “Neguinha”, respondeu a garota. “Por que ela é chamada por esse nome?”, questionou a professora. Ingrid disse: “Foi minha mãe quem deu o nome”.
O fato de a boneca ser chamada de neguinha, em princípio, não é um problema; entretanto, não se chama boneca de branquinha; elas têm nomes, sejam brancas ou negras. Neguinha poderia ser um apelido carinhoso, mais não substituiria o nome. A riqueza de elementos que os pequenos explicitaram em suas falas é extremamente significativa. Eles trazem suas percepções de mundo e das pessoas, possibilitando, para uma professora atenta, a escuta infantil e diferentes maneiras para trabalhar a temática etnicorracial. Eles evidenciam conhecimento relacionado a diferentes nações, suas respectivas línguas e seus comportamentos culturais. O nome da boneca – Neguinha – também poderia ter sido mais bem explorado pela educadora já que envolvia a família e a construção da identidade etnicorracial. Por que muitos adultos não conseguem extrair elementos para uma intervenção adequada?
A roda de conversas sobre brinquedos é um exemplo clássico de que não é preciso reinventar a roda para se trabalhar com as diferenças etnicorraciais. Pelo contrário, ela pode ser associada a outros recursos, como a utilização de livros infantis culturalmente diversificados. Nesse aspecto, enfatizo a importância de processos formativos para professores visando à ampliação do conhecimento sobre a temática etnicorracial, bem como leituras de textos disponíveis e muito divulgados em sites e publicações especializadas no assunto. Esse conjunto de ações pode contribuir para melhor compreensão do mundo que cerca os pequenos. O que pretendo com este artigo é impulsionar a formação de novos olhares sobre as diferenças etnicorraciais.

(Cristina Teodoro Trinidad, bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford e doutoranda do Programa Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo – SP)
1Zumbi (1655-1695), nascido em Alagoas, foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, em Serra da Barriga – Alagoas.
2A pesquisa foi realizada com 33 crianças de uma escola de Educação Infantil da região Oeste de São Paulo, mas os dados ainda não foram analisados. Consideram-se neste artigo, portanto, as percepções vivenciadas pela pesquisadora no interior da unidade no decorrer da pesquisa.


Fique atento

Murais e cartazes – Fotos e imagens de crianças negras, brancas, indígenas, amarelas e famílias representadas em igual proporção.
Brinquedos – Existência de bonecas que representem diferentes raças/etnias, brinquedos de diversas culturas;
Livros e revistas – Revistas e livros com imagens, textos e contextos de várias origens, culturas, países;
Música e dança – Ouvir e aprender danças e músicas com significados rituais de acordo com cada cultura. Oferecer instrumentos musicais que produzam sons típicos de regiões diversas.

sábado, 25 de maio de 2013

A PRÁTICA DE REGISTRAR COM CRIANÇAS DE 1 A 3 ANOS


Registrar faz parte do projeto pedagógico da Grão de Chão1, escola em que trabalho. Cada grupo tem seu diário de sala e nele são registrados os acontecimentos mais significativos vivenciados pelas crianças, tais como uma brincadeira muito divertida, eventos realizados na escola, algumas atividades feitas com outros grupos, as receitas elaboradas, as curiosidades ou descobertas, os aniversários, entre outros. Há espaço também para os registros mais individuais, importantes para uma ou mais crianças, como o nascimento de um irmão, por exemplo. Sou professora de crianças de 1 a 3 anos (G1/G2), e é comum os pais lamentarem o fato de os filhos, pela oralidade pouco desenvolvida, quase não contarem em casa o que fazem na escola. Percebi que pelo diário de sala seria possível compartilhar com eles as vivências de seus filhos e do grupo a que eles pertencem, bem como favorecer a construção da identidade de cada um e a percepção do outro, alimentando o sentimento de pertencimento ao grupo.
O diário de sala é elaborado na escola e, nos fins de semana ou em feriados, é enviado à casa de uma das crianças do grupo para que os pais e elas não apenas olhem, conversem e recuperem a história contida no diário, mas registrem alguma vivência da criança com a família, para que seja compartilhada com o grupo.
Os primeiros registros                                                                                                        

A significação desse diário pelas crianças foi sendo construída à medida que foi ganhando “corpo”. Nos primeiros registros, recuperamos algumas vivências do grupo consideradas mais marcantes. Nesse momento, assumi o papel de escriba e fui trazendo os elementos mais importantes que queria deixar registrados. No entanto, as crianças pouco se envolveram com a proposta e não fizeram contribuições. Eu sabia que, naquele momento, me colocava como modelo para o grupo, ajudando-o a construir, passo a passo, uma significação desse diário. Aos poucos, os registros foram compartilha-dos, olhados e revistos, e as crianças começaram a fazer pequenos comentários, aqui e acolá, referentes à construção do relato, em nossas rodas de registro do diário de sala, cuja participação tem se intensificado a cada dia.
Pais e filhos

A circulação do diário de sala pelas casas das famílias fez com que as crianças, auxiliadas pelas imagens e tendo por leitores os pais, relembrassem e contassem algumas vivências pessoais, bem como as dos colegas do grupo e, com isso, trazendo “um pouco da escola” para dentro de casa. A participação dos pais confirmou que o diário não só proporcionou vivências agradáveis – “Foi muito legal ver o livro com ela e fazer um registro. Ela viu que uma criança carimbou as mãos com os pais e também quis carimbar as suas” –, como também possibilitou perceber o quanto ele fazia sentido para seus filhos: “Não consegui ver o livro com ele até o final. Ele queria me mostrar tudo várias vezes e não me deixava virar as páginas”. (Depoimentos de pais).

De volta à escola

Os registros feitos pelos pais foram variados e revelaram a singularidade de cada criança. Nosso diário de sala foi se constituindo nessa diversidade, tendo por eixo estrutural o desejo de dar voz à criança, para que ela pudesse falar de suas aprendizagens e compartilhar suas descobertas. Os registros foram importantes para que as crianças se lembrassem do que haviam feito no período em que o diário esteve em sua casa, fazendo com que as crianças recuperassem esses momentos e os compartilhassem oralmente com o grupo. As colaborações revelam lembranças afetivas, que tornam o momento de olhar o diário em sala, com o grupo todo, especial, carregado de sentimentos agradáveis. As crianças se veem como autoras das histórias pessoais e do grupo. Por vários meses, assim que pegava o diário, uma criança dizia “o papai, o papai”, referindo-se ao registro que havia feito com o pai. Atualmente, quando abro o livro, as crianças falam: “Essa foto é minha”, “Esse é o meu pé, né?!”, “Olha, eu tô descansando”. E a cada página virada, sempre há uma frase diferente a revelar sua construção, sua identidade e seu sentimento de pertencimento ao grupo.
Cada criança está presente, nesse diário, por meio do desenho que fez, pelas fotos ou pelos registros feitos com os pais ou comigo. Ao mesmo tempo que ele retrata percursos pessoais, revela também a constituição do grupo, na medida em que, ao vivenciarem experiências comuns e ao compartilharem suas experiências pessoais, relacionam-nas com as dos colegas.
Trabalho com a oralidade

O diário de sala proporciona ótimas rodas de conversa. O fato de fazer sentido para as crianças e de contar com recurso visual (fotos, desenhos, imagens…) para apoiar as falas, possibilita maior envolvimento delas durante a conversa. Por meio dessa rotina, as crianças tornam-se conscientes do processo da história que estão vivendo. A roda de conversa, a partir do diário de sala, é um momento valioso para se trabalhar a linguagem oral das crianças. Ela ajuda a organizar o pensamento e as falas das crianças. Desde pequenas, as crianças devem participar de situações reais de conversa. Assim, aprendem a escutar o outro, a esperar a vez de falar, a olhar seus interlocutores, assim como a usar a voz adequadamente.
Roda de conversa sobre o registro feito por uma família

Eu – Esse fim de semana a Esther levou o livro de registro para casa.
Maíra – A mamãe carimbou o meu pé.
Giuliana – A mamãe também carimbou o meu pé. Ela passou tinta e depois saiu.
Eu – Vamos ver se a mãe da Esther também carimbou o pé dela?
Esther – Não carimbou.
Eu – Foi esse o registro que você fez com a mamãe?
Esther – Eu fiz com a minha mãe.
Eu – Eu vou ler para vocês: “Esther, mamãe e papai tiveram um fim de semana muito legal.” Foi legal o seu fim de semana?
Criança – Foi muito legal!
Eu – O que é isso que você colou?
Esther – O Vila Sésamo2.
Rafael – Eu “tem” “mi” “ca”
Eu – Você tem na sua casa?
Rafael – É.
Eu – Você tem o filme ou vê na TV?
Esther – Na TV.
André – Sabia que eu vejo na minha TV?
Eu – Quem já viu o Vila Sésamo?
Maíra – Eu já vi também..
Manuela – Eu já vi.
André aponta para uma figura que estava colada na folha e pergunta para mim
– O que é isso?
Eu – Pergunta para a Esther.
André vira para Esther e pergunta – O que é isso?
Esther – É uma casinha.
Eu – Onde você encontrou essa casinha?
Esther – Na loja.
Eu – E você quis colar aqui?
Esther – É.
Eu – Deixa eu ler o que está escrito aqui: “Esse brinquedo é muito legal”. É um brinquedo de montar?
Esther – É de montar.
Eu – E foi você que montou ou você viu em uma revista?
Esther – Eu achei em uma revista.
Eu – E você tem esse brinquedo?
Esther – Tenho
Maíra – Eu tenho.
Eu – E você brinca de montar?
Esther – Eu brinco de montar.
Eu – Aqui na escola tem um brinquedo parecido. Depois vamos pegar e montar uma casa igual a essa?
André – Isso é um castelo.
Eu – Isso é um castelo ou uma casa?
Esther – Um castelo.
Giuliana – É um castelo de princesa.
Eu – Será que tem uma princesa escondida aqui dentro?
Giuliana – Tem. Eu tenho uma dessa.
[...]
Ainda na mesma roda:

Eu – Deixa eu ver o que é isso. (Ingresso do teatro da Branca de Neve). Você foi ao teatro esse fim de semana?
Nina – Eu também.
Esther – Era o teatro da Branca de Neve.
Rodrigo – Eu foi do Júlio.
Eu – No do Cocoricó
3?
Rodrigo – É, do Júlio.
Nina – Eu já vi o do Júlio.
Eu – Igual o Rodrigo?
Nina – É.
Esther – Eu vou no teatro do Cocoricó.
Eu – A Esther está dizendo que foi no teatro da Branca de Neve. Alguém já foi no teatro da Branca de Neve?
Nina – Eu fui.
Manuela – Eu fui.
Eu – “Quem tinha” no teatro? Tinha a Branca de Neve?
Esther – Tinha.
André – Tinha o desenho do Shrek.
Eu – Você assistiu o desenho do Shrek? Esse fim de semana?
André – É, eu vi na minha casa.
[...]
As crianças dessa idade têm pensamento sincrético, ou seja, “na percepção, no pensamento e na ação, a criança tende a misturar os mais diferentes elementos em uma imagem desarticulada, por força de alguma impressão ocasional” (VYGOTSKY, 2003). A afirmação do André: “Tinha o desenho do Shrek”, inicialmente parece não estabelecer relação com o que estávamos falando. No entanto, ela era pertinente porque aquele era o filme a que ele havia assistido no fim de semana. O mesmo vale para a criança que havia ido ao teatro da Branca de Neve. Cabe ao professor conferir significado às frases soltas, conectando-as com o que está sendo conversado ou registrado no livro, recuperando o fio de pensamento percorrido pela criança. O professor, ao estimular a criança a falar e a ficar atento ao que ela diz, perceberá as relações estabelecidas por ela, conferindo sentido à conversa. Ele assume o papel de mediador e de incentivador da interlocução entre as crianças.
Quando o diário de sala chegou ao fim 

Construir o diário de sala com meu grupo, ao longo do ano, fortaleceu minha crença no potencial das crianças que, mesmo muito pequenas, são capazes de falar de suas experiências e de relacioná-las com as dos colegas. Ele não só guarda a memória do grupo, como também revela sua identidade.
(Mariana Isnard Carneiro, pedagoga e professora da escola Grão de Chão, em São Paulo – SP)
1A escola Grão de Chão atende a crianças de 1 a 7 anos, no bairro da Água Branca, em São Paulo (SP).
2Programa infantil caracterizado pelo personagem Garibaldo e sua turma. É veiculado e coproduzido pela TV Cultura de São Paulo (SP) e pela produtora norte-americana Sesame Workshop.
3Série infantil brasileira produzida e exibida pela TV Cultura e pela TV Rá-Tim-Bum cujo personagem principal dos episódios é o menino Júlio.

sábado, 18 de maio de 2013

ATIVIDADES A PARTIR DA HISTÓRIA O CABELO DE LELÊ


O cabelo de Lelê
Belém, Valéria
Ed. IBEP Nacional

Sinopse:
Lelê não gosta do que vê - de onde vem tantos cachinhos? Ela vive a se perguntar. E essa resposta ela encontra  num livro, em que descobre sua história e a beleza da cultura africana.

Tem um vídeo no youtube, com a leitura do livro:




SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES

·       *  Realizar a leitura do livro “O cabelo de Lelê” (sugestão: ler a história usando uma peruca que represente o cabelo da personagem. Antes da leitura, conversar sobre a peruca, chamar a atenção para o título da história e a ilustração da capa).
·      *   Após a leitura, em roda de conversa, perguntar às crianças: “Como é o cabelo de Lelê?”, “Por que o cabelo de Lelê é assim?”, “E o seu cabelo, como é? Por que será que seu cabelo é assim?”
·       *  Em outro dia, apresentar para as crianças um vídeo (you tube), com a história do livro e conversar sobre a história e sobre a África.
·         Procurar em revistas gravuras de pessoas que tenham o cabelo como o de Lelê e montar um painel. Conversar sobre o mesmo. (outra sugestão: procurar gravuras que representem o próprio cabelo).
·        * Inspirados nas páginas 16 e 17 do livro, representar a personagem Lelê, “construindo” seu cabelo com diferentes tipos de material, tais como: EVA, lã, macarrão parafuso, entre outros... É importante que cada criança escolha o material que irá utilizar. Expor os trabalhos realizados, conversar sobre os mesmos e fazer um fantoche da personagem para levar para casa.
·         *Apresentar o clipe musical “Tudo junto e misturado” (Aline Barros).
·     *    Confeccionar perucas com papel rococó preto e organizar um desfile/baile na escola. (outra sugestão: distribuir aos alunos as perucas existentes na escola para organizar o desfile/baile).
·       *  Realizar a leitura de alguns contos africanos e brincadeiras africanas, valorizando esta cultura.