quarta-feira, 20 de maio de 2009

CONSIDERAÇÕES SOBRE A LIÇÃO DE CASA


LIÇÃO DE CASA
Rosaura Soligo



A chamada lição de casa tem sido um motivo de grande preocupação para pais e educadores, pois, entre outras características, é um ponto de interseção da escola com o espaço doméstico. Não parece ser, portanto, casual a freqüência com que esse assunto aparece nas conversas de pais e professores, principalmente no início da escolaridade.
Trata-se de um tipo de atividade que pode ter diferentes objetivos, a partir dos diferentes envolvidos (diretos ou indiretos) em sua realização: professores, alunos e pais. Do ponto de vista dos alunos, especialmente quando ainda são crianças, pode servir, muitas vezes, de pretexto para exigir disfarçadamente a presença de um familiar, para chamar a atenção. Do ponto de vista dos pais, pode ser uma oportunidade de conhecer melhor a proposta pedagógica da escola. Do
ponto de vista da escola, pode ter objetivos como os descritos nas propostas que se seguem.

• Lições de cunho mecânico: são tarefas em que a finalidade é que o aluno memorize, decore, exercite ou treine algo para poder fazer uso com rapidez na sala de aula – por exemplo, estudar as tabuadas para ganhar maior agilidade nos cálculos. Mesmo em se tratando de memorização, é preciso oferecer alguma orientação sobre a melhor forma de fazê-lo. No exemplo da tabuada, pode-se sugerir ao aluno procedimentos do tipo: repetir diferentes vezes, observar quais os resultados que se repetem, procurar identificar regularidades (se eu sei quanto é 3x4, para encontrar 6x4 é só usar o dobro do primeiro resultado) e outras maneiras.

• Lições de continuidade: são tarefas que se desdobram a partir de outras que foram iniciadas na sala de aula e cuja finalização é importante para o prosseguimento do trabalho – por exemplo, ler um texto em casa sobre algum assunto em estudo. Progressivamente o aluno deve realizar essas atividades sem ajuda.

• Lições que contribuem para o desenvolvimento de outras propostas: são tarefas como pesquisas em livros, revistas ou jornais, entrevistas com pessoas, coleta de materiais etc. Especialmente nas atividades de pesquisa, o aluno necessita de uma supervisão, pois selecionar o que é relevante dentre várias possibilidades não é uma tarefa simples – ao contrário, trata-se de um procedimento bastante complexo que, mesmo depois de aprendido, precisa ir sendo aperfeiçoado ao longo da escolaridade. Assim, se ele não tiver ainda domínio desse procedimento e não puder contar com ajuda em casa, nem sempre é possível solicitar tarefas desse tipo.

• Lições com a finalidade de sondagem ou avaliação: são tarefas que se destinam a identificar quais são as dificuldades do aluno, que procedimentos utiliza, o que (e como) sabe sobre um determinado assunto – nesse caso, sempre que possível, os familiares podem
acompanhá-lo tentando perceber o que lhe oferece dificuldade e por quê.
A lição de casa adequada é aquela que atende a algum dos objetivos acima descritos e pode-se fazer sem intervenção do professor. Não tem sentido, como às vezes se faz, propor ao aluno uma enorme quantidade de tarefas que lhe ocupam parte considerável do tempo exclusivamente com cópia e exercícios repetidos de fixação. É certo que o tempo de estudo é uma variável importante que incide na aprendizagem, mas não se pode querer superar as limitações de uma escola de meio período com enormes quantidades de lições de casa, para a realização das quais o aluno não dispõe de uma outra variável que incide decisivamente na aprendizagem: a intervenção pedagógica.

Algumas dicas que se podem sugerir aos familiares com disponibilidade de ajudar o aluno em casa, principalmente quando ainda é criança:

• Pedir sempre para ver a lição de casa e valorizar o que já aprendeu.
• Auxiliar na organização das lições e do material, sempre que preciso.
• Orientar para que peça explicações na classe sobre tudo o que quiser saber ou não tiver entendido.
• Ressaltar a importância de capricho, qualidade e letra legível, incentivando-o a fazer tudo da melhor maneira que puder.
• Solicitar que revise os trabalhos feitos (é claro que, de imediato, nem todas as inadequações e erros serão percebidos, mas o fundamental é desenvolver o procedimento de revisão das atividades).
• Ajudar na organização de um horário rotineiro para a realização das tarefas.
• Incentivar a leitura em casa e, quando possível, fazer isso junto (ouvindo a leitura ou
lendo).
fonte: PCN em ação - Alfabetização

terça-feira, 19 de maio de 2009

domingo, 17 de maio de 2009

PCN EM AÇÃO - SUGESTÕES DE ATIVIDADES


(ESSE TEXTO É PARTE DE UMA DAS MUITAS CARTAS QUE INTEGRAM UM PROJETO DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE PROFESSORES DE ESCOLAS PÚBLICAS RURAIS E AS FORMADORAS QUE A SUBSCREVEM - BEATRIZ CARDOSO E MARIA CRISTINA G. R. PEREIRA. UMA DAS PROPOSTAS BÁSICAS DESTE PROJETO É ESTABELECER UM PROCESSO DE REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA POR MEIO DE CARTAS.)



São Paulo, 20 de outubro de 1997



Caro(a) Professor(a),


... Hoje, trataremos de fazer uma série de propostas práticas de trabalho. Nossa carta girará em torno da cópia: uma estratégia secular no processo de ensino e aprendizagem.
A cópia é uma atividade que está presente na escola há muitos e muitos anos, já faz parte dela. Na vida fora da escola ela também cumpre inúmeras funções, pode-se copiar para repetir uma receita de um bolo gostoso, para fazer uma “simpatia”, para cantar uma música, para rezar, enfim, em nossa sociedade a cópia tem uma função muito clara e útil. Em compensação, na escola, a cópia é usada quase que exclusivamente para aprender a escrever certo ou para melhorar a letra.
Estas atividades, embora úteis, muitas vezes ficam sem sentido para os alunos. Seria interessante que nós pensássemos em usá-la de forma mais ampla, para que, ao mesmo tempo, as crianças aprendessem a escrever certo, melhorassem a letra e encontrassem nela alguma
função real.
Para isso é preciso que saibam o que e para que estão copiando.
Bom, só para você pensar no assunto, saiba que copiar, entre outras coisas, serve para aprender:
• a separar palavras;
• a escrever corretamente pensando sobre a ortografia;
• a acentuar, a pontuar, a utilizar maiúsculas e minúsculas;
• a escrever da esquerda para a direita.
A seguir, faremos algumas sugestões de atividades a serem desenvolvidas em sala de aula para que você escolha a(s) que mais se adapta(m) aos seus alunos. Envie-nos, em sua próxima carta, seus comentários e conte-nos sobre os resultados obtidos.




1ª Sugestão:
Peça às crianças que escolham um livro no cantinho de livros da classe. Organize seu planejamento de forma que as crianças tenham um horário para ler o livro em classe, assim poderão conhecer bem a história e terão a oportunidade de tirar as dúvidas com você. Organize o
horário de tal maneira que, durante uma semana, tenham oportunidades de ler várias vezes o mesmo livro. Quando já conhecerem bem a história, peça que durante o final de semana contem a história para os pais. Você pode mandar um bilhete explicando aos pais a proposta. Depois de todo esse período de manuseio de um livro, proponha, como atividade, que folheiem o livro e
escolham um parágrafo dessa história de que gostem especialmente, por narrar um episódio interessante do ponto de vista da criança. Uma vez selecionado o trecho da história, devem copiá-lo em seu caderno e, se der tempo, devem fazer uma pequena ilustração para o episódio.




2ª Sugestão:
Escolha um trecho de um texto e coloque-o na lousa. Peça às crianças que copiem o texto em seu caderno, mas de acordo com o seguinte combinado: Eles devem fazer algum tipo de marcação (um pontinho, um traço etc.) no próprio texto que estão escrevendo, indicando cada vez que levantam a cabeça para olhar a lousa. Pode acontecer que um aluno levante a cabeça a cada letra, o outro a cada palavra ou ainda a cada frase. O objetivo é que memorizem o texto e a grafia das palavras de maneira a precisar recorrer ao modelo o mínimo de vezes possível, pois neste processo vão interiorizando o modelo. Com este tipo de marcação você pode inclusive propor desafios, de forma a motivá-los a melhorar seu rendimento progressivamente. Não importa que um seja mais ágil que o outro, o que importa é que cada um saiba quais são os seus limites a serem superados.
Este tipo de atividade deve ser repetido várias vezes para que eles possam ir melhorando sua capacidade de memorizar as palavras inteiras ou grupo de palavras. Procure sempre dar trechos para copiar que tenham sentido para eles, como:
• um trecho de uma história;
• um trecho de música;
• uma pequena trovinha etc.





3ª Sugestão:
Selecione uma história, verso ou parlenda que as crianças conheçam bem e saibam de memória. Faça um cartaz com o texto escrito e pregue no fundo da classe, de tal forma que as crianças fiquem de costas para o texto. Peça que escrevam este texto e explique que, quando tiverem dúvida sobre como se escreve alguma palavra, podem se levantar e ir até o cartaz para conferir. Este é um tipo de autoditado que, estruturado dessa maneira, permite que o aluno recorra à cópia de palavras.





4ª Sugestão:
Escolha um pequeno texto, leia e comente com os alunos, esclarecendo dúvidas, pedindo que alguns contem novamente alguns trechos. Depois de garantido que todos conhecem o texto, apague algumas palavras dele deixando lacunas. Peça aos seus alunos que copiem este texto e, sempre que se depararem com um espaço em branco, coloquem uma palavra que substitua, mas que continue dando o mesmo sentido ao texto.
Exemplo:
Era uma vez um senhor que gostava muito de caçar passarinhos para colocar em gaiolas. Certo dia ficou perdido na floresta e encontrou um periquito que o ajudou a sair de lá, voando na sua frente para indicar o caminho. Durante esta aventura conversou muito com o periquito, que lhe contou sua dura vida de passarinho, fugindo de caçadores. Depois disso, nunca mais este homem saiu atrás de passarinhos.
Observação: As palavras grifadas devem ser apagadas.



5ª Sugestão:
Escolha um pequeno texto e sublinhe algumas palavras dele. Peça aos seus alunos que copiem este texto e, sempre que se depararem com uma palavra sublinhada, substituam-na por outra que garanta igualmente o sentido do texto. Pode ser uma música, poesia ou trecho de história etc.




6ª Sugestão:
Escolha uma receita que as crianças possam fazer em casa com os pais, ou qualquer pequeno texto que tenha sentido, para eles copiarem com capricho para levar para casa. É importante que esse texto contenha informações precisas que não podem estar erradas, por exemplo, quantidades ou ingredientes, data e hora de realização de algo etc. Escolha um texto que permita ao aluno identificar para que pode servir a cópia e saiba o que está copiando.
Veja as atividades que parecem mais adequadas para a sua turma e experimente realizá-las. (...)


Bia e Cristina
FONTE: PCN EM AÇÃO - ALFABETIZAÇÃO

COPIAR PODE SER UM ENCONTRO COM A GENTE MESMO


COPIAR PODE SER UM ENCONTRO COM A GENTE MESMO
FANNY ABRAMOVICH


Tudo bem, a cópia faz parte das atividades escolares em todos os níveis de ensino, buscando basicamente a transcrição atenta, pelo aluno, de um determinado texto, previamente selecionado pelo professor. E por isso torna-se enfadonha, monótona, cansativa, chata...
No entanto, a cópia pode ser gostosa, estimulante. Quando se lê um texto (prosa ou poesia, ensaio ou informação, ou o que for) e ele nos parece instigante, automaticamente relemos. E depois dessa releitura (que pode até ser a terceira ou quarta) a gente encontra o significativo,
o marcante, o belo, o novo, o diferente... E esse trecho que tocou lá no fundo, aquela afirmação que detonou uma explicação que buscávamos há um tempão, ah, isto precisa ser copiado... Num caderno especial, num diário, onde for...
E essa transcrição que todos fazemos (ou fizemos) exige toda a atenção, toda a concentração... Não se pode pular palavras ou frases que desfigurem o sentido do texto; não se pode pular vírgulas ou pontos de exclamação, para não alterar o ritmo do escrito; não se pode alterar
nada, porque, afinal, estamos copiando algo que foi escrito por outra pessoa... E é claro que precisamos anotar também toda a referência: nome do autor, da obra, edição, página etc., pois não sabemos se iremos usar isto algum dia, em algum estudo, relatório ou artigo... E, instintivamente, colocamos a data, como ponto de referência de como foi importante para a gente, num determinado momento (e como isso nos ajuda a conferir nossa própria mudança...).
Quem de nós não teve, quando adolescente, um caderno em que consumia horas e horas para copiar letras de canções? Quem não teve um caderno especialmente bonito para enchê-lo de poemas? Quem não teve uma caderneta para copiar provérbios, frases de caminhão ou qualquer outra forma de expressão da cultura popular?
Então, por que não usar a cópia na escola, em qualquer ano de qualquer grau, de um modo inteligente e pessoal? (...) Por que não pedir a cada aluno que copie um pedacinho ou vários pedaços do que achou bom e bonito? Por que não cada um transcrever uma frase ou um ou dois parágrafos (quantos quiser ou sentir que valem a pena...) de um livro de Literatura ou de Geografia? Por que não encontrar, em livros diferentes, explicações diferentes sobre o mesmo tema e transcrevê-las (quantas tiver achado), para analisar a mais convincente? Por que não, depois da cópia, iniciar uma discussão com todos os alunos, cada um lendo os seus tópicos, os momentos escolhidos e encontrar as semelhanças e os opostos? Não seria tão mais gostoso? Copiar pode ser ótimo se não for mecânico, redutivo e mero exercício de caligrafia... Pode ser, basicamente, o encontro com a gente mesmo.
* FONTE: PCN EM AÇÃO - ALFABETIZAÇÃO

MATEMÁTICA E LITERATURA INFANTIL

A Literatura Infantil e a Resolução de Problemas em Matemática


A Matemática na Educação Infantil
Kátia Cristina Stocco Smole
Artmed



Acreditamos que, se um determinado material usado em aulas de matemática estiver adequado às necessidades do desenvolvimento da criança, as situações-problemas colocadas a ela enquanto manipula esse material fazem com que haja interesse e sentimento de desafio na busca por diferentes soluções aos problemas propostos. Consideramos a literatura infantil um material desse tipo.
Para explicitar melhor essa relação entre a literatura infantil e os problemas, julgamos necessário refletir um pouco sobre como se dá o trabalho com a resolução de problemas nas aulas de matemática.
De modo geral, os problemas que propomos aos nossos alunos são do tipo padrão, isto é, podem ser resolvidos pela aplicação direta de um ou mais algoritmos; a tarefa básica na sua resolução é identificar que operações ou algoritmos são apropriados para mostrar a solução e transformar a linguagem usual em linguagem matemática; a solução numericamente correta é ponto fundamental; a solução sempre existe e é única; o problema é apresentado por meio de frases, diagramas ou parágrafos curtos e vem sempre após a apresentação de determinado conteúdo ou algoritmo; todos os dados de que o resolvedor necessita aparecem explicitamente no problema.
Combinadas essas características, a maioria dos problemas convencionais acaba transformando o que deveria ser um processo de investigação em uma retórica, no sentido de apenas formular e responder questões, e gera uma busca frenética por uma sentença matemática que leve a uma resposta correta.
Quando adotamos os problemas-padrão como único material para o trabalho com resolução de problemas na escola, podemos levar o aluno a uma postura de fragilidade diante de situações que exijam criatividade. Ao deparar com um problema em que não identifica a operação a ser utilizada, só lhe resta desistir e esperar a resposta do professor ou de um colega. Algumas vezes, ele resolverá o problema mecanicamente sem ter entendido o que fez e não será capaz de confiar na resposta que encontrou, ou, mesmo, de verificar se ela é adequada aos dados apresentados no enunciado.
Por envolver, entre outros aspectos, a coordenação do conhecimento, experiência anterior, intuição, confiança, análise e comparação, a resolução de problemas é uma atividade complexa que não pode ser reduzida a um algoritmo, através do qual o aluno chegue a uma solução seguindo regras preestabelecidas.
Para iniciar uma mudança nesse quadro, é preciso, em primeiro lugar, que consideremos um problema como uma situação na qual o resolvedor não tem a garantia de obter a solução com o uso direto de um algoritmo. Tudo que ele conhece tem de ser combinado de maneira nova para que ele resolva o que está sendo proposto. Desse modo, um bom problema deve ser interessante, desafiador e significativo para o aluno, permitindo que ele formule e teste hipóteses e conjecturas.
Em segundo lugar, essa mudança traz implícita uma série de habilidades em resolução de problemas que esperamos ver desenvolvidas em nossos alunos. São elas: desenvolver e aplicar estratégias para resolver uma grande variedade de problemas; formular problemas a partir de situações matemáticas ou não; verificar e interpretar resultados com respeito ao problema proposto; usar resolução de problemas para investigar e entender os conteúdos matemáticos; adquirir confiança em usar matemática.
Isso implica dizer que nossa proposta para a resolução de problemas não se restringe a uma simples instrução de como se resolver um problema ou determinados tipos de problemas. Não se trata também de considerar a resolução de problemas como um conteúdo isolado dentro do currículo. Acreditamos que a resolução de problemas é uma metodologia de trabalho, através da qual os alunos são envolvidos em “fazer” matemática, isto é, eles se tornam capazes de formular e resolver por si questões matemáticas e através da possibilidade de questionar e levantar hipóteses adquirem, relacionam e aplicam conceitos matemáticos.
Sob esse enfoque, resolver problemas é um espaço para fazer colocações, comunicar idéias, investigar relações, e um momento para desenvolver noções e habilidades matemáticas.
Desenvolver a habilidade de resolver problemas pode criar conexões entre o entendimento informal que a criança traz para a escola e o conhecimento formal esboçado pelo currículo de matemática.
Essa mudança de postura exige também que busquemos outras fontes, além do livro didático, que propiciem ao aluno a aquisição de novos conceitos ou habilidades e, neste trabalho, tentamos mostrar que a literatura infantil explorada via metodologia da resolução de problemas é um recurso rico para ser utilizado com essa finalidade.
Em primeiro lugar, porque os livros infantis não exigem inicialmente do leitor outras informações, além daquelas que ele traz da sua própria vivência. Por isso, ao propormos os primeiros problemas, ainda durante a leitura da história, o aluno os resolve usando os recursos que tem e dados do próprio texto, sem preocupar-se em saber ou não a “conta” que deve usar, ou sem medo de errar a resposta.
Em segundo lugar, a literatura é facilmente acessível e proporciona contextos que trazem múltiplas possibilidades de exploração, que vão desde a formulação de questões por parte dos alunos até o desenvolvimento de múltiplas estratégias de resolução das questões colocadas.
Em terceiro lugar, a literatura infantil exige leitura e estimula a capacidade de interpretação de diferentes situações, o que também é uma habilidade essencial para um melhor desempenho dos alunos em resolução de problemas.
Em quarto lugar, essa conexão da matemática com a literatura infantil propicia um momento para aprender novos conceitos ou utilizar os já aprendidos.
Em quinto lugar, a leitura do texto necessariamente pede debate, diálogo, crítica e criação. Explorar problemas nesse contexto pode auxiliar os alunos a transferir esse processo para outras situações de resolução de problemas.
E, por fim, o uso da literatura infantil em conexão com o trabalho de resolução de problemas permite aos alunos e professores utilizarem e valorizarem, naturalmente, diferentes estratégias na busca por uma solução, tais como desenho, oralidade, dramatização, tentativa e erro, que são recursos normalmente esquecidos no trabalho tradicionalmente realizado nas aulas.
Essa conexão da matemática com a literatura infantil propicia um momento para aprender novos conceitos ou utilizar os já aprendidos. Mais que isso, apresenta um contexto que, por trazer uma multiplicidade de significações, evidencia a leitura e o conhecimento de mundo de cada leitor, suas experiências, suas perspectivas, suas preferências pessoais e sua capacidade de articular informações presentes no texto, com outras não presentes.
A seleção dos livros com vistas ao trabalho matemática/literatura infantil

O primeiro aspecto a ser considerado quando vamos pensar na conexão entre a matemática e a literatura infantil diz respeito à seleção dos livros que pretendemos utilizar.
Neste trabalho, levaremos em conta os mesmos critérios normalmente presentes no trabalho com a literatura infantil relacionado à língua materna. Assim, ao observar um livro que pretenda apresentar aos alunos, o professor deve refletir se os assuntos que ele aborda têm relação com o mundo da criança e com os interesses dela, facilitando suas descobertas e sua entrada no mundo social e cultural.
Também é importante observar que os assuntos, a linguagem, a apresentação e os valores do livro correspondam ao desenvolvimento psicológico e intelectual do leitor. Dessa forma, no entender de Abramovich e Góes, torna-se necessário, ao analisar a obra, verificar a qualidade da impressão, verificar se o livro transmite um sentimento de respeito e dignidade pela pessoa humana, refletir se o livro transmite informações objetivas e fidedignas.
No referente à matemática, mais especificamente, o professor pode selecionar um livro tanto porque ele aborda alguma noção matemática específica, quanto porque ele propicia um contexto favorável à resolução de problemas.
Muitos livros trazem a matemática inserida ao próprio texto, outros servirão para relacionar a matemática com outras áreas do currículo; há aqueles que envolvem determinadas habilidades matemáticas que se deseja desenvolver e outros, ainda, providenciam uma motivação para o uso de materiais didáticos. Um livro, às vezes, sugere uma variedade de atividades que podem guiar os alunos para tópicos matemáticos e habilidades além daquelas mencionadas no texto. Isso significa que, “garimpando” nas entrelinhas, podemos propor problemas utilizando as idéias aí implícitas. Em todos os casos, a história deverá propiciar um contexto fértil para a resolução de problemas.
Ao utilizar livros infantis, os professores podem provocar pensamentos matemáticos através de questionamentos ao longo da leitura, ao mesmo tempo em que a criança se envolve com a história. Assim, a literatura pode ser usada como um estímulo para ouvir, ler, pensar e escrever sobre matemática. É sempre bom deixar claro que uma mesma história deve ser lida e relida entre uma atividade e outra, para que as crianças possam perceber todas as suas características e, por isso, um mesmo texto pode ser utilizado em diferentes momentos do ano.
Para iniciar o trabalho, é importante, em primeiro lugar, que o professor goste de ler e tenha em mãos os livros com os quais queira trabalhar para que possa conhecer a história, visualizar as gravuras, que muitas vezes sugerem a exploração de um ou mais temas, e também para que possa elaborar atividades que sejam adequadas à classe com a qual está trabalhando. Além disso, é imprescindível ter claros os objetivos que se deseja atingir com o projeto a se elaborar para o livro escolhido. Do mesmo modo, salientamos a importância do professor ser criterioso na escolha das obras e estar atualizado com a produção de livros de literatura infantil para que tenha um leque amplo de alternativas de escolha.
Em segundo lugar, é fundamental que os alunos conheçam a história e se interessem por ela. Os alunos precisam ter direito à recreação, ao prazer da leitura gratuita e ao sonho. Para isso, o professor deve lembrar sempre de deixar o livro ser manuseado, folheado, buscado, separado, revisto até que a curiosidade seja despertada. Também é possível recorrer inicialmente aos mesmos recursos que são utilizados ao trabalhar as histórias nas aulas de língua materna, e é importante que se faça assim para que as atividades surjam naturalmente como uma extensão do que os alunos estão acostumados e fazer com os textos infantis.
Seja qual for a forma pela qual se leve a literatura infantil para as aulas de matemática, é bom lembrarmos que a impressão fundamental da história não deve ser distorcida por uma ênfase indevida em um aspecto matemático. Também não devemos esquecer que uma exploração do texto literário não deve ser colocada em segundo plano, sob pena de tornar ingênua ou falsa a interpretação e a leitura do texto literário. Após uma leitura, há muito o que discutir, o que analisar, o que fazer para a criança perceber e opinar criticamente.
Como afirma Calvino (1991), a literatura é método de conhecimento, uma teia de conexões entre fatos, pessoas e coisas do mundo. Para ele, a literatura superpõe diversos níveis de linguagem e o uso da literatura deve fazer o leitor contemplar horizontes cada vez mais vastos como se fosse desenvolver-se numa rede, em todas as direções, para abraçar o universo inteiro. Isso ocorre se tivermos o cuidado de deixar que o leitor explore todo o potencial do texto, com todas as suas palavras, suas nuances, sua variedade de formas verbais, sintáticas, suas conotações e efeitos os mais variados. Nenhum trabalho escolar, tenha a finalidade que for, pode perder de vista tais considerações. (...)
FONTE: Este material integra a Formação Continuada dos Coordenadores Pedagógicos/Supervisores – FOCO –IAS – dos Programas Circuito Campeão, Se Liga e Acelera Brasil de titularidade do Instituto Ayrton Senna.

UM EXEMPLO DE VIDA...

PESSOAL, ACHEI ESSE VÍDEO LINDO E QUIS COMPARTILHAR COM VCS. ELE NOS FAZ PENSAR SOBRE MUITAS COISAS; ASSISTAM E REFLITAM...





http://www.youtube.com/watch?v=4Ay5uBaoE5Y

sábado, 16 de maio de 2009

VÍDEOS - AULAS DE MATEMÁTICA

EXCELENTES EXEMPLOS DE ATIVIDADES PARA SEREM REALIZADAS...
ESSES VÍDEOS FAZEM PARTE DO ACERVO DA REVISTA "NOVA ESCOLA", DO PROGRAMA DE FORMAÇÃO "MATEMÁTICA É D+".






http://www.youtube.com/watch?v=5Mgnp0HJEmg



http://www.youtube.com/watch?v=9Wf9nn-WqGw



http://www.youtube.com/watch?v=_itr_P8WTvo

DICA DE LIVROS

* PARA TORNAR AS AULAS DE MATEMÁTICA MAIS SIGNIFICATIVAS, VALE A PENA LER:


Os livros de Kátia Stocco Smole:

* A matemática na educação infantil: A teoria das inteligências múltiplas na prática escolar
Editora Artmed



*Ler, escrever e resolver problemas: Habilidades básicas para aprender matemática
Editora Artmed - Organizado com Maria Ignez Diniz



* Coleção de 0 a 6
- Brincadeiras Infantis nas aulas de matemática 1
- Resolução de Problemas 2
- Figuras e Formas 3
Editora Artmed (Em parceria com Maria Ignez Diniz e Patrícia Cândido)

ARTIGO: BARALHOS, DADOS E EDUCAÇÃO

A educadora Kátia Stocco Smole defende a realização de atividades lúdicas para desenvolver o raciocínio dos alunos. Para ela, os jogos têm de ser planejados, precisam ser utilizados várias vezes e não podem deixar de ser divertidos.



Baralho,dados e educação

A educadora Kátia Stocco Smole, doutora em Educação pela faculdade de Educação da USP e
coordenadora do grupo Mathema de pesquisas em ensino, diz que toda criança aprende com os jogos, pois eles desenvolvem o raciocínio, as regras de convivência em sociedade e são muito acessíveis. “Com um baralho e dois dados é possível fazer vários jogos.” Ela defende que nos ensinos infantil e fundamental os alunos devem trabalhar com um jogo por mês, em atividades
semanais. “Do ensino médio em diante, pode ser um jogo a cada dois meses.”
Segundo ela, o jogo por si só não deve ser considerado um transmissor de conhecimento, mas quando levado para a escola, proporciona melhor aprendizado. “Para ser usado em sala de aula, o jogo exige estrutura, planejamento. Deve-se manter o jogar por prazer, mas com intencionalidade. A tarefa da escola é ensinar. Qualquer recurso que ela use deve ir além da diversão, sem perder o lado lúdico, mas também não pode ocorrer sem planejamento e intervenção”
Na escola, o jogo melhora as relações com outras pessoas e desenvolve diversas formas de raciocínio. “Os jogos podem ser usados em vários conteúdos específicos como português, matemática e até geografia ou história.” Para a educadora, existe uma coisa comum a qualquer jogo: todos simulam relações sociais.
“Entender as regras e qual é o papel delas numa relação de grupo é muito importante. As regras não são imutáveis, mas para mudar é preciso discutir com os parceiros. Os alunos expõem seus pontos de vista e discutem opiniões. Com isso, as crianças simulam regras de convivência
social.”
Outra questão interessante das atividades lúdicas, de acordo com Kátia, é o roubo no jogo. “O que isso significa? Transgressão? Com a atividade lúdica a criança descobre que não pode roubar. Não se trata de uma regra moralista, pois o participante pode sofrer conseqüências se trapacear. São as punições definidas pela regra que dizem o que pode e não pode ser feito.”
Kátia também explica que os jogos auxiliam os alunos no processo de apropriação da leitura e da escrita e trabalham conceitos matemáticos e a resolução de problemas. Ela cita WAR como exemplo de um jogo de desenvolvimento de estratégia e de conteúdos como geografia e história. “Muitos conceitos podem ser explorados com as atividades lúdicas, principalmente os relacionados a matemática e português.”

Como trabalhar
Kátia aconselha os professores a pesquisar o jogo que irão trabalhar em sala, providenciar todo o material necessário, planejar como ensiná-lo para as crianças antes de levá-lo para a escola. “Não dá para levar um jogo para sala sem conhecer todas as regras e haver analisado os conteúdos que
podem ser desenvolvidos. O professor precisa ter definido se haverá modificações nas regras ou na maneira de jogar. Ele não deve dar o material nas mãos das crianças e depois querer ensinar as regras. Pode fazer uma roda, pegar quatro crianças e demonstrar uma partida com elas. Depois outras quatro e aí distribuir as que jogaram em outros grupos.” Avaliação da atividade, segundo a educadora, também é fundamental. “Depois de jogar três, quatro vezes, é preciso
avaliar. Continua, pára, troca?”
Outra sugestão da educadora é que não se jogue apenas uma vez, mas várias para que haja apreensão. “Na primeira vez, os alunos estão conhecendo as regras, principalmente na educação infantil e na fundamental. As crianças, quando conhecem um jogo, querem jogá-lo muitas vezes.”
O professor, explica Kátia, deve manter o mesmo jogo durante um mês, realizando atividades semanais, sempre procurando explorá-lo de formas diferentes. “O segredo não é fazer muitos jogos, mas fazer alguns e bem feitos. Na educação infantil e no ensino fundamental, o educador pode trabalhar um jogo por mês. Seis a oito jogos por ano.
Também é preciso conversar com os alunos sobre o que foi bom, o que aprenderam se haverá mudanças de regra e decidir se será mantido o mesmo grupo de alunos participantes. Ele pode propor que os alunos façam textos ou desenhos sobre o jogo, essa é uma atividade bem interessante, mesmo em matemática.”

Dicas de Jogos
Kátia sugere alguns jogos que podem ser trabalhados em aula com alunos de ensino infantil e fundamental:


Memória de dez – Deve ser jogado como um jogo de memória, aquele no qual a criança olha as cartas, depois vira as imagens para baixo e tenta lembrar onde estavam. Pode ser feito com um
baralho normal, usando as cartas do ás até o nove, de todos os naipes. Deve ser um baralho para cada grupo de quatro crianças.
Modo de jogar: os alunos embaralham e espalham as cartas com os números virados para baixo. Cada participante desvira duas cartas e soma os números delas. Sempre que a soma for 10, ele pode retirar as duas cartas e jogar novamente. Por exemplo, 2 e 8 dá 10, ele retira as cartas e repete o jogo. 4 e 3 igual a 7, as cartas ficam onde estão, viradas para baixo. Ganha quem terminar a partida com mais cartas retiradas. “Este jogo desenvolve a escrita e a leitura de números e o conceito de adição e subtração. Se tenho uma carta com número 6, para chegar a 10
faltam 4. O professor pode propor problemas: "A Kátia tirou 6 numa carta e 8 na outra, ela formou 10? Por quê?"; " Quais são todas as possibilidades de somar 10 com o baralho?"; " A Kátia formou um par de 10; tirou 7 numa carta, qual foi a outra? ". Cada vez que a criança resolve esses problemas ela joga melhor. Os alunos também podem fazer e consultar uma lista com os pares de números cuja soma é 10. O importante na atividade é investigar e discutir.”

Jogos de trilha – Para Kátia, os jogos de modo geral são recursos ótimos e baratos para trabalhar em sala de aula. “O professor só precisa de um par de dados e baralho, com isso se faz muita coisa. Jogos de trilha são acessíveis e fáceis de jogar. Com eles, as crianças trabalham relações de números com leitura e escrita. Nas partidas elas têm que seguir e voltar na trilha, enfrentar punição quando param em determinada casa. O professor pode pedir para alunos desenvolverem estes jogos. Basta papel, cola e lápis de cor. Cada grupo de quatro alunos faz um jogo.” Os jogos de trilha são aqueles nos quais os participantes jogam dois dados, somam as faces, e avançam casas de acordo com o resultado. As casas da trilha são numeradas e trazem textos do tipo: ‘se você chegou aqui na casa 7, deu azar, recue 3 casas. Na casa 9, deu sorte, avance 5’. Vence quem completa o percurso primeiro. De acordo com a educadora, há jogos para trabalhar as quatro operações matemáticas fundamentais (adição, subtração, divisão e multiplicação), além de contagem e sistema de operação decimal. “Com o pega-varetas é possível realizar todo o trabalho de numeração, da unidade até as dezenas. Dá até para trabalhar com números negativos.”

Jogo das sete cobras São necessários dois dados e que cada grupo de alunos escreva num papel números de 2 a 12, excluindo o 7. Como jogar: com a lista dos números, cada participante joga os dois dados e soma as faces, riscando da lista o número. Por exemplo, 2 e 3 , dá 5, risca o 5. Porém, quando a soma dá 7, o participante desenha uma cobra em sua lista. Ganha aquele que riscar todos os números da lista ou se o adversário desenhar sete cobras primeiro. Ou seja, quem faz as sete cobras, perde. “As crianças acham que é fácil riscar todos os números, mas no decorrer da partida descobrem que alguns números são mais difíceis de sair. Para somar 7 há várias combinações que os dados apresentam. Já para 12 só há 6 e 6. Com isso o professor pode discutir e desenvolver noções de probabilidades. Tirar 7 ou 12, qual é a maior probabilidade?”
Ela afirma que há bons jogos clássicos que ajudam a desenvolver diversos conceitos importantes. “Dama, jogo da velha e xadrez, por exemplo, trabalham estratégia e são fundamentais para matemática. Para trabalhar compra e venda há o Banco Imobiliário.” Já na educação infantil, há
muitos jogos para tratar de noção de espaço, cores, formas geométricas. “Até o jogo das sete cobras e a memória de dez são adaptáveis para educação infantil.”
Para ela, os professores precisam entender que o jogo em grupo causa barulho na sala de aula. “São crianças barulhentas, mas envolvidas com a atividade. Há professores que têm medo dos jogos, não sabem se as crianças estão acertando. O educador deve observar os alunos jogando, sem se aproximar muito e dar muitos palpites. Terminada a atividade, ele precisa garantir um tempo de 15 minutos para discutir o que viu e propor desafios. Há muito receio. Os professores acham que faltam jogos, mas hoje a literatura é vasta, há jogos baratos e ele pode até construí-los.”

Divertir é preciso
É fundamental que o professor não permita que o jogo deixe de ser divertido. “O professor não pode ficar em cima das crianças. Na educação infantil, os alunos adoram trilha, mas se o professor ficar muito em cima perguntando em que casa o aluno está e para onde ele vai, a partida perde a graça para a criança. O professor deve observar, registrar e só tirar dúvidas,
ou realizar questionamentos antes ou depois da atividade.”
Kátia ressalta dois erros na utilização dos jogos dentro da escola: o lúdico pelo lúdico (usar o jogo sem planejamento) e achar que a atividade não deve ser divertida. “É impossível pedir para as crianças jogarem em silêncio. O educador que combine com os alunos para eles não extrapolarem, mas silêncio ou falta de vibração, não dá. Se não houver desprendimento, o lúdico é destruído. Jogo muito fácil também não funciona.”

Video-games
Os jogos de videogame, para a educadora, não têm o que os jogos oferecem de melhor, que é o convívio. Em escolas há softwares para trabalhar alguns conteúdos, como matemática. Funcionam, mas excluem o convívio e não proporcionam desenvolvimento motor. Vivemos em sociedade, tratar de ética, convivência, tolerância é importante. O videogame não é exatamente o ideal, faz parte da cultura da garotada, oferece desenvolvimento intelectual, mas tem restrições.”

Jogos e brincadeiras: As brincadeiras, defende Kátia, têm um limite que o jogo não tem: a idade. “Brincadeira é melhor para crianças de primeira, segunda série, pois não desenvolvem conceitos mais complexos. Elas funcionam melhor no ensino infantil e no começo do fundamental. Boliche, amarelinha, corda, pegador, desenvolvem contato, coordenação motora, relação entre os alunos. São atividades tão vastas quanto o jogo e não são feitas sentadas. Permitem lateralidade, consciência corporal, conceitos importantes para quem está nessa faixa etária. A brincadeira também deve ser trabalhada semanalmente, uma vez por mês. Leva tempo para desenvolver todas as habilidades. A maioria das crianças não conhece essas brincadeiras, é possível até um resgate histórico com pais e avós.”
*fonte: DIÁRIO DO GRANDE ABC - DIÁRIO NA ESCOLA, 17/10/03

terça-feira, 12 de maio de 2009

CONTATO


AOS AMIGOS QUE QUISEREM ENTRAR EM CONTATO COMIGO, PARA CONVERSARMOS SOBRE ALFABETIZAÇÃO OU OUTROS ASSUNTOS, SEGUE ABAIXO O MEU MSN:




BJS.
PRISCILA


ENTREVISTA - ANA TEBEROSKY

PRODUÇÃO DE TEXTO

A educadora espanhola Ana Teberosky, cátedra da Universidade de Barcelona, pesquisadora e autora de pesquisas importantes na área da educação, entre elas A Psicogênse da Língua Escrita, em parceria com Emília Ferreiro, obra que trouxe importantes reflexões a respeito da aquisiçao do sistema de escrita, falou com o Diário na Escola na última semana sobre produção de texto no ensino infantil e fundamental.
A pesquisadora esteve no Brasil para um Simpósio promovido pelo CEDAC (Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária), em São Paulo, voltado para formadores em educação. Na entrevista, Ana Teberosky dissertou sobre a necessidade dos alunos entenderem para que e por que produzem textos, sobre como o educador pode estimular os alunos para essa produção, sobre a possibilidade de usar histórias e imitações no processo criativo e sobre a importância das crianças adquirirem vocabulário, entre outras coisas. A seguir os principais trechos da entrevista.

Diário na Escola – Como a senhora vê a aquisição e produção de texto por parte das crianças?
Ana Teberosky – É difícil falar sobre a produção de texto da criança brasileira, porque as crianças do Norte, do Sul, da costa, da Amazônia, têm muitas diferenças regionais, não há um único tipo de criança brasileira. Porém, há uma identidade. É como na Europa, a criança portuguesa não é muito diferente da criança espanhola, mas elas têm uma cultura escolar
diferente da criança brasileira. Por isso é difícil generalizar comentários sobre o processo de aquisição de textos das crianças de locais diferentes. De qualquer forma, é possível, em qualquer lugar, dizer que para que essa aquisição ocorra, os educadores devem fazer o seguinte questionamento com os alunos: para que são produzidos os textos e por que fazê-los.

Diário na Escola – De que forma os professores devem trabalhar a partir destas questões?
Ana Teberosky – Sobre a questão para que fazê-los, é interessante que se entenda que um adulto, uma pessoa letrada, lê textos com diferentes funções e aspectos subjetivos. O jornal é um texto, o romance é um texto, uma carta é um texto, ler uma notícia é um texto, ler a bula de um medicamento é um texto. Sendo assim, para entender para que se produz textos, educador e alunos devem produzir e interpretar juntos, é importante ficar claro que o resultado concreto da
leitura e da escrita é um texto. Ou pode-se também dizer que na realização do texto há resultados concretos, de leitura e interpretação. Não há ato de leitura sem a escrita – só uma palavra já é um texto. Portanto, na produção do texto, fazemos ao mesmo tempo um ato de leitura e de escrita. Sobre a questão por que fazê-los, a história é outra. O texto é importante na aquisição da leitura e da escrita, portanto é preciso produzir e ler textos. Há muitos processos psicolingüísticos e muitos motivos possíveis num discurso, num texto. Um processo de construção das sintaxes não acontece com a palavra sozinha há todo um processo de produção e compreensão da pontuação, um processo da coerência gráfica. Então, é muito importante que a aprendizagem da leitura e da escrita não seja restrita, há várias formas de produção do texto além da gráfica. A questão da palavra é outra. A ortografia é a palavra. Se o educador for trabalhar com a ortografia, aí a unidade da referência é a palavra, mais que o texto.

Diário na Escola – Qual a maneira de trabalhar a produção de texto sem a palavra escrita, sem a
ortografia? Não é necessária, desde o ensino fundamental, a preocupação de introduzir as regras
e normas cultas da escrita?

Ana Teberosky – Quando começa a produção de texto na pré-escola ou na primeira série, é bom começar com o texto ao mesmo tempo que começar com as letras, com as palavras. Talvez não seja possível que a criança produza um texto graficamente, mas ela pode contar para o adulto e o adulto escrever. Ela pode produzir um texto oralmente, em situação de entrevista, gravando
etc. A produção de texto não é necessariamente gráfica. Quanto às regras gramaticais e ortográficas, a aquisição de algumas delas é possível no início, outras ainda não. O professor tem que chegar a um equilíbrio entre a restrição e a limitação impostas pela aplicação das regras gramaticais e ortográficas na criação do texto, e a liberdade com que se aplica essa mesma atividade, sem utilizar a produção gráfica. Nem tudo deve ser limitado e restringido, nem tudo deve ser livre, pois isso é impossível.

Diário na Escola – Como se deve começar uma narrativa? O professor tem que buscar equilíbrio entre liberdade, desde que seja criativa, e regra formal de escrita?
Ana Teberosky – O professor deve começar em cima de uma estrutura narrativa conhecida ou de uma narrativa que tenha um personagem. Nós estamos trabalhando esse tema de equilíbrio de restituição de liberdade. Se você deixa a criança na conversa cotidiana oral, a produção dela é muito pobre, o vocabulário é pobre, curto, a estrutura é muito simples. Mas se você provoca alguma situação na qual a criança tem que imitar a outra ou falar como se fosse um personagem da televisão, falar como se fosse um professor, falar como se fosse um personagem do livro, o nível de instrução dela aumenta. Aumenta muito o vocabulário, a complexidade das sintaxes. Porque a imitação permite incorporar a capacidade de outro. Nós somos a favor do texto livre, mas com atenção para o fato de que, com ele, a criança pode ficar muito sozinha com suas próprias idéias e sem ajuda. Por isso, é interessante que o texto seja criado a partir de alguma estrutura e que o aluno receba ajuda no caso da imitação de personagens ou colegas.

Diário na Escola – A produção de texto é uma ferramenta importante para que a aquisição da leitura aconteça de forma letrada, efetiva?
Ana Teberosky – É muito importante porque permite a realização do jogo discursivo que é uma situação que, sem produção de texto, é impossível. Quando você está, por exemplo, na hora de comer, com a família, normalmente todos falam muito. Mas os temas desses discursos narrativos são muito limitados, para a aquisição da leitura são interessantes temas mais complexos. Em um comentário sobre um livro você pode incorporar muito mais, porque os temas são mais complexos, porque as palavras são mais complexas. Mais da metade do vocabulário de uma língua, de um idioma, só se encontra nos livros. O vocabulário não está na fala cotidiana, ela é muito repetitiva.

Diário na Escola – Qual a importância da apropriação do vocabulário restrito aos livros?
Ana Teberosky – Se você só tiver duas palavras para todo o mundo, o que seria do mundo? Quando a criança é pequena, a criança não fala cão. Ela refere-se ao cachorro somente como au, au. Essa é toda a referência que ela tem do animal. Mas ela pode aprender a referir-se ao cão dela, a partir de outras perspectivas: pode descobrir que o au, au pode ser chamado de cão ou de cachorro, que ele é um animal, mamífero e que au, au é o som que os cães fazem quando latem. São informações sobre o animal, agregadas à expansão do vocabulário.

Diário na Escola – Apropriação da língua é apropriação de conteúdos?
Ana Teberosky – É apropriação de conteúdos, é pensar. Não interessa a fala cotidiana automática, sem reflexão, por exemplo, quando você diz no almoço: “me dá salada”. Isso é automático. Para produzir um texto você tem que pensar a linguagem.

Diário na Escola – Qual sua recomendação para os professores que estão trabalhando produção de texto com os alunos?
Ana Teberosky – Ler muito. Devem ler como adultos, devem ler para os alunos, devem comentar o livro. Sem comentários não adianta, não há progresso. Deve-se falar muito sobre
o livro, não só sobre o conteúdo, mas sobre a linguagem, sobre a capa, as letras, como se lê hoje, sobre o jeito como se lê, sobre as ilustrações.

Diário na Escola – Nesse momento, junto com a leitura, o educador deve pedir para as crianças produzirem textos?
Ana Teberosky – Não tão de imediato, não é só o primeiro passo, há o segundo passo. Por exemplo, se o educador está lendo com os alunos Chapeuzinho Vermelho, ele pode falar sobre o engano do lobo e comparar o erro da história com alguma situação cotidiana. Os alunos podem então fazer narrativas que envolvam enganos como o da história e o que o professor contou.

Diário na Escola – Qual a idade para as crianças iniciarem a produção de texto em casa e na escola?
Ana Teberosky – Depende do estímulo da família e dos professores, mas pode ser em torno de 2 anos ou 3 anos de idade. Na escola também, o quanto antes melhor.

Diário na Escola – O professor pode pedir para a criança um texto por escrito, com algumas normas de gramática, a partir de qual idade?
Ana Teberosky – É possível pedir isso para crianças de 4,5 ou 5 anos de
idade. Depende do que o educador pede e do quanto elas tiveram contato com a leitura e com a escrita. A recomendação para o professor, na verdade, é ler muito, depois comentar, quando a criança produzir um texto, o educador deve ler, comparar,e mostrar que a escrita não existe sem a leitura e a leitura não existe sem escrita. Elas estão juntas. O aluno vai acabar entendendo que
ele deve fazer um texto para alguma coisa, em função de alguma coisa.
fonte: DIÁRIO DO GRANDE ABC - DIÁRIO NA ESCOLA (06/08/2004)

PARA REFLETIR...

O QUE FAZER COM AQUELES ALUNOS QUE PARECEM NÃO "AVANÇAR"?



Como você avalia agora aqueles alunos cujo processo de aprendizagem não atingiu os objetivos do seu planejamento? Será que o que foi planejado colaborou para que eles pudessem avançar em seus conhecimentos sobre a leitura, a escrita e a comunicação oral? Transcorridos quase três meses de aula, é necessário continuar dando uma atenção especial a esses alunos. Retome suas observações sobre os resultados de aprendizagem e avalie quanto esses alunos avançaram.
Em qualquer experiência educativa, os alunos se desenvolvem de forma e ritmos distintos entre si. A função principal da avaliação é justamente identificar as ajudas específicas de que cada um necessita. Há aqueles que, dependendo da dificuldade que apresentam e/ou da natureza do conteúdo ensinado, precisam apenas de uma explicação dada de outra forma, e há outros que requerem uma intervenção pedagógica complementar.
Existem diversas possibilidades de atendê-los: por meio de atividades diferenciadas durante a aula, de trabalho conjunto desses alunos com colegas que possam ajudá-los a avançar, de intervenções pontuais que o professor ou o estagiário pode propor.
Para que a criança avance com relação à aquisição da língua escrita é indispensável que se mostre ativa perante esse objeto de conhecimento que a rodeia, que formule perguntas, elabore hipóteses, confronte-as etc.
Nesse sentido, as situações didáticas que favorecem a reflexão sobre o funcionamento do sistema, por exemplo, escrever e interpretar seus escritos, justificando quantas e quais letras utilizou, permitem que ela avance em seu processo de alfabetização.
O uso das letras móveis tem se mostrado um excelente recurso didático, pois possibilita ao professor organizar intervenções que contribuam para o aluno compreender a relação entre os segmentos da fala e da escrita, ou seja, a cada segmento incompleto da fala deve corresponder um segmento gráfico.
Portanto, estimule seus alunos a participar de situações de leitura e escrita que contribuam para o estabelecimento da relação entre o todo e suas partes.
A expectativa para o bimestre é que os alunos escrevam silabicamente, ou seja, caso você observe – na sondagem e em outras situações de escrita – que há alunos que não corresponderam a essa expectativa, é preciso planejar como ajudá-los para que não aumentem ainda mais a defasagem em relação ao restante do grupo.
Como você sabe, os alunos com escritas pré-silábicas têm saberes diferenciados em relação ao sistema de escrita e à linguagem escrita. Para organizar boas situações didáticas é importante observar, por exemplo, se os alunos estão atentos aos critérios de variedade e quantidade ou se produzem escritas indiferenciadas, se, ao ler e escrever, estabelecem a relação entre o todo e as partes, ou se, ao escrever, compreendem que a cada letra acrescentada corresponde um acréscimo na pauta sonora etc. Para acompanhar esse processo seria interessante você organizar uma planilha de observação com o objetivo de planejar as atividades mais adequadas e as intervenções mais eficientes para esse grupo de alunos.
FONTE: GUIA PARA O PLANEJAMENTO DO PROFº ALFABETIZADOR (SMESP)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

VÍDEOS - MATEMÁTICA

http://www.youtube.com/watch?v=npXSZrnXUo0




http://www.youtube.com/watch?v=-tTD8XU2s2I

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ARTIGO - "A ESCRITA DOS NÚMEROS"

A ESCRITA DOS NÚMEROS
A psicolingüista e psicóloga argentina Emília Ferreiro, radicada no México, professora do Departamento de Investigações Educativas do Instituto Politécnico Nacional do México, esteve em São Paulo no mês passado e realizou duas palestras para divulgar os resultados de suas mais recentes pesquisas. O Diário na Escola dá continuidade à pagina da semana passada e prossegue, hoje, divulgando os principais tópicos abordados pela pesquisadora em sua segunda palestra: “Novas investigações sobre a psicogênese da língua escrita e suas repercussões na prática escolar”, que falou sobre como as crianças em fase de alfabetização pensam a escrita dos números.
Emília Ferreiro iniciou sua fala analisando a questão recente e atual da guerra entre EUA e Iraque, pela ótica da violência não contra vidas, mas contra a cultura. Ela afirmou que, durante anos, deu palestras abordando e focando seus argumentos no assunto para o qual foi contratada para tratar, sem falar sobre o que acontecia no mundo. Porém, desta vez, ela afirmou que seria diferente: “O que está se passando hoje tem relação com nossa história, tem a ver com a história do ocidente, com cultura e tem a ver com a história dos números que irei falar hoje para vocês que são os números arábicos. Arábicos porque vieram para o Ocidente pelas mãos da cultura árabe. Isso que vou abordar hoje – como as crianças que estão iniciando seu processo de alfabetização pensam a escrita dos números – tem que ver com os acontecimentos dramáticos que estão acontecendo que é a destruição de uma cidade de cultura. A cidade de Bagdá é um berço de cultura assim como Roma, Paris ou Londres. Em Bagdá, foi conservada a cultura grega, traduzidos aspectos de geometria, de filosofia, de medicina, muito utilizados pelas universidades medievais. Durante cinco séculos (de VIII a XII) o povo de língua arábica preservou a ciência grega e recebeu aqueles que foram expulsos do Ocidente, deste Ocidente intolerante. Bagdá, durante anos, foi considerada a cidade mais desenvolvida e mais povoada do mundo
civilizado, considerada uma cidade luz, muito antes de Paris. No século X, Bagdá era a cidade mais cosmopolita do planeta. Dois séculos antes do Ocidente conhecer o papel, em Bagdá já havia uma fábrica. A cidade possuía universidades, bibliotecas, laboratórios, observatórios confundidos pelos ocidentais como os palácios das Mil e Uma Noites, hoje vistos apenas como demonstrações de poder e dominação, mas que eram, em muitos casos, lugares de cultura. Não conheceríamos Aristóteles se ele não tivesse sido traduzido, conservado e levado à Península Ibérica – neste lugar sensacional onde fizeram a revolução do latim de tal maneira que os textos clássicos de nossa cultura passaram por muitas línguas antes de chegar ao latim. A semântica do latim é a forma de escrita cuneiforme da qual deriva a escrita alfabética que hoje temos. No Iraque, há 10 mil sítios arqueológicos catalogados. Em 1954, foi assinado um convênio de patrimônio histórico em caso de conflito armado. Os EUA não deram seu aval. Portanto, hoje, estão acontecendo fatos relevantes e reveladores para qualquer pessoa interessada pelo estudo da escrita. Estão destruindo uma cidade, graças a qual a cultura grega chegou ao Ocidente e propiciou o avanço de todos os outros povos.”
Após a longa explicação, Emília novamente apresentou o tema de sua última pesquisa, ressaltando que se trata de uma questão importante, mas que não pode ser abordada em seu trabalho sobre a psicogênese da língua escrita: como as crianças, no período inicial da alfabetização, pensam as letras e os números?
Apresentação da pesquisa – No começo da alfabetização, quando as crianças começam a entrar em contato com o universo gráfico, entre 3 a 5 anos, dependendo do meio em que vivem, elas descobrem não somente as letras como, também, os números, sem saber, de início, que há diferenças entre eles. “Sem saber por que alguns se chamam letras e alguns se chamam números, já que têm formas tão parecidas”.
A pesquisa se concentrou na descoberta do que permite às crianças diferenciar letra de número. Emília partiu do princípio que não poderia ser o desenho, a forma, já que os dois, letras e números, se compõem dos mesmos traços gráficos. Todos se compõem de linhas horizontais ou verticais, retas ou curvas. Também não seria o contexto já que os dois podem aparecer juntos, como acontece nas placas dos carros, nos calendários, nas cédulas de dinheiro. As crianças, ao iniciarem seu processo de alfabetização, devem, de alguma forma, lidar com esses dois universos: números e letras.
A pesquisadora argentina disse acreditar ser importante pesquisar como as crianças que estão iniciando seu processo de alfabetização tratam esses dois universos e “como fazem para organizar estes dois objetos”. Geralmente, as escolas apresentam aos alunos que os números servem para contar e as letras para escrever. Pensando desta forma é difícil explicar qual a função do zero, já que este não serve para contar. “Não contamos desde o zero”, disse. Para ilustrar este raciocínio, Emília contou que, certa vez, ao entrevistar uma criança, questionou a respeito da função do zero e teve como resposta: “os zeros não servem para nada. Só servem para ir com os outros, sozinhos eles não servem para nada”. Portanto, para a educadora, o zero é um problema interessantíssimo que deve ser investigado. Emília relatou que algumas crianças, ao começar a trabalhar com números romanos, questionam o professor sobre o uso do zero e, algumas vezes, só depois deste tipo de questionamento é que os professores se dão conta que não existe zero em número romanos. Ela esclareceu que o zero chegou no Ocidente a partir da Índia,
através dos árabes, com os números arábicos, assim como a escrita.
Na escola, as crianças estão em contato e são solicitadas a ler letras e números. “É interessante verificar que nós adultos, na escola e na sociedade, empregamos o mesmo verbo quando solicitamos que as crianças leiam letras ou números – ‘vamos ler esta palavra, vamos ler este número‘. Isso pode fazer parecer que se lê da mesma maneira letras e números, mas na verdade lemos de forma totalmente diferente, são sistemas completamente diferentes”, disse.
As letras fazem parte de um sistema alfabético, que trata de representar variações sonoras mínimas, que permitem diferenciar, por exemplo, palavras como som e tom, mão e pão. “Os números não tem nada a ver com sonoridade. Se escrevo 5 e peço que pessoas de diferentes partes do mundo leiam, terei: cinco, five, cinque... E isso não é uma tradução. O que está escrito não é o nome do número, mas a idéia de um conjunto de cinco elementos. Por outro lado, se tenho escrita a palavra casa e leio house, estou traduzindo; ali não está escrito house, está escrito casa em uma língua particular”.
Na língua alfabética, há diferença mínima e significativa na pauta sonora, na escrita de números a pauta sonora é irrelevante porque a escrita dos números não é alfabética, é ideográfica – no caso dos números não há tradução. Ler um sistema alfabético e ler um sistema ideográfico são coisas diferentes.
É possível produzir linguagem frente a uma marca de um número, como se pode produzir linguagem frente a um conjunto de letras, porém nem toda a produção oral produzida é similar uma a outra. O problema parece ser complicado porque se usa o mesmo verbo ler para formas diferentes, para dois sistemas completamente distintos.
A sociedade propõe o uso cultural das duas formas, letras e números, com uma certa indiferença relativa ao contexto que compartilham. A pesquisa de Emília Ferreiro, veio então, verificar como as crianças liam números em contextos nos quais eles não servem para contar, como por exemplo os números das placas dos carros, ou o número da linha de ônibus. Casos em que os números funcionam como nomes. “Ter uma linha de ônibus número 42 não significa que haja necessariamente uma linha que venha antes, 41, ou uma que venha depois, de número 43. Ou se tenho linhas numa seqüência numérica, isso não significa que a linha 43 vá mais longe que a linha 41, por exemplo, ou que uma leve mais passageiros que a outra”.
Encaminhamento e resultados – Tradicionalmente, nas pesquisas sobre como as crianças aprendem a escrever, pergunta-se: “que palavra você sabe escrever? Escreva”. Emília e sua equipe mudaram a pergunta para ver como as crianças se comportavam, elas perguntavam da seguinte forma: “Que palavras você não sabe escrever? Escreva”. Com isso, observaram que as crianças inventavam um outro modo de escrever, usando toda a informação disponível. Decidiram transpor essa mudança, também, para a pesquisa de escrita de número, solicitando, então, que as crianças escrevessem não números pequenos, como é um costume pela pesquisa, mas números maiores como 36, 94.
A pesquisa realizada não fala do conceito de números, procedimentos de contagem, aspectos ordinais/cardinais. Fala sobre os números como parte da língua. “Os números são parte da linguagem. Quatorze, quinze, significam um conjunto de vários elementos, mas são palavras no singular”, afirmou. Para analisar os números quanto à linguagem, foi importante considerar que eles podem ser classificados em opacos, ou não transparentes, e números transparentes. (Números transparentes são aqueles que dizem exatamente o que são, como aqueles a partir de 16, são previsíveis, possíveis de antecipar. Já, ao contrário, os números opacos são aqueles que não possibilitam antecipações, como o é onze, treze, doze...).
Durante a pesquisa, analisou-se que, ao serem ditados números transparentes – aqueles a partir do 16 –, as crianças colocam primeiro o algarismo que conhecem, “por exemplo, quando lhes é ditado 36 colocam primeiro o 6. Puderam observar que as crianças pré-silábicas colocam o número conhecido primeiro – neste caso o 6 –, já as silábicas colocam um algarismo qualquer para representar a parte desconhecida e em seguida, o algarismo 6; em geral o algarismo colocado primeiro é o 1 e o zero”.
Nos números transparentes, há uma parte conhecida e uma parte desconhecida. Para esta parte desconhecida, as crianças usam um curinga: 1 ou zero, por considerarem estes os “menos números” de todos os números. Analisar a posição em que as crianças colocam o número curinga é muito importante e diz muito sobre como e o que pensam ao escrever. “A diferença de posição
do curinga apresentada pelos pré-silábicos e os silábicos não é pouca coisa, pois um présilábico
não pode ler 36 se escrevessem de outra forma, já que crianças com esta hipótese, ao ler, apontariam o 6 para ler “trinta” e apontariam o zero para ler o “seis”. Os silábico não utilizam a mesma escrita numérica por não terem a mesma hipótese. “Se colocassem primeiro o número que conhecem, teriam um problema na leitura, pois os silábicos não lêem os números por sílabas (vin - te - e -cin - co), mas por morfemas (vinte - cinco)”.
A pesquisa chegou a resultados interessantes:
✔Nenhuma criança misturou letras e números. Escrevem nomes com letras e números com numerais gráficos.
✔Quanto a posição que escrevem o número conhecido: pré-silábicos – todos escrevem à esquerda; silábicos – poucos escrevem à esquerda, alguns escrevem à esquerda e depois mudam e muitos escrevem à direita; silábicos-alfabéticos e alfabéticos – vão aumentando cada vez mais a freqüência com que colocam o número conhecido à direita.
✔Os números são mais fáceis que as letras porque se lê ideograficamente, porque as formas são limitadas – só há 10 formas: 0 a 9 – e porque não há variação tipográfica – não há número cursivo. Emília falou da tese de doutorado de Monica Alvarado, que supervisionou, e na qual foi possível verificar que:
✔Os pré-silábicos, em estágios mais avançados, ao escreverem palavras não analisam a sonoridade, mas ao escreverem números, sim. Em números transparentes “compostos”, por exemplo dezenas, onde uma parte é conhecida e outra desconhecida, resolvem primeiro a parte conhecida e depois a outra. Ao ler o que escreveram, não lêem analiticamente, então nunca descobrem que o algarismo está mal colocado.
✔Os silábicos já têm uma ordenação da parte conhecida e não conhecida. A parte conhecida fica à direita. Na escrita dos números, resolvem a parte conhecida e deixam a desconhecida para depois. A leitura de números se dá pela análise de morfemas e não silabicamente.
✔Os silábicos-alfabéticos e alfabéticos ao escreverem palavras ficam muito atentos às relações/correspondências qualitativas, as letras devem corresponder. Isso se reflete na escrita dos números. À medida em que os números crescem o uso de curingas é reduzido. Aqui aparecem números espelhados, que crescem à medida em que desaparecem os curingas. A isso se agrega o conhecimento social de 30, 40, 50... Crianças com essas hipóteses sabem, por exemplo, que o 10 do 18 tem um ideograma específico, então escrevem 108. Isso não significa que entenderam a natureza aditiva: 10 + 8 = 18.
Conclusão – Emília destacou que sua apresentação não deve ser transposta para a sala de aula. Deve ser vista como parte de uma pesquisa que procurou buscar explicações para o fato de como as crianças, que estão iniciando seu processo de alfabetização, pensam as escritas dos números, do ponto de vista da língua e não da matemática. “Uma coisa são as letras, outra coisa é a combinação das letras. Uma coisa são os números, outra é a combinação dos números. A preocupação da pesquisa foi pensar como as crianças pensam para escrever essas combinações”.
A pesquisadora disse acreditar que a escrita matemática está muito amarrada na escrita. Para ela, sua pesquisa lhe rendeu novos inimigos que diziam “pelo menos Emília não fala de matemática”. Outra vez ressaltou que não está falando de matemática, mas de língua e, em língua, escrevem-se números. “Isso é parte da língua ainda que tenha conceito matemático. As crianças não têm obrigação de saber distinguir isso, elas têm o direito de misturar tudo. A professora sim, tem obrigação de saber como distinguir”.



* fonte: DIÁRIO DO GRANDE ABC - DIÁRIO NA ESCOLA (02/05/2003)

DICA: LIVROS ELETRÔNICOS

PESSOAL, ACABO DE DESCOBRIR UM SITE ÓTIMO, COM LIVROS ELETRÔNICOS PARA BAIXAR E QUERO COMPARTILHAR COM VOCÊS ESSA DICA:



CONTO DE ESCOLA
Machado de Assis




A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant'Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão.
Na semana anterior tinha feito dois suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes.
Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos depois. Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinqüenta anos ou mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos.
- Seu Pilar, eu preciso falar com você, disse-me baixinho o filho do mestre.
Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinqüenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco.
- O que é que você quer?
- Logo, respondeu ele com voz trêmula.
Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma coisa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões. Os outros foram acabando; não tive remédio senão acabar também, entregar a escrita, e voltar para o meu lugar.
Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma coisa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos.
- Fui um bobo em vir, disse eu ao Raimundo.
- Não diga isso, murmurou ele.
Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez que queria pedir-me alguma coisa, e perguntei-lhe o que era. Raimundo estremeceu de novo, e, rápido, disse-me que esperasse um pouco; era uma coisa particular.
- Seu Pilar... murmurou ele daí a alguns minutos.
- Que é?
- Você...
- Você quê?
Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado, e o Raimundo, notando-me essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera. Confesso que começava a arder de curiosidade. Olhei para o Curvelo, e vi que parecia atento; podia ser uma simples curiosidade vaga, natural indiscrição; mas podia ser também alguma coisa entre eles. Esse Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze anos, era mais velho que nós.
Que me quereria o Raimundo? Continuei inquieto, remexendo-me muito, falando-lhe baixo, com instância, que me dissesse o que era, que ninguém cuidava dele nem de mim. Ou então, de tarde...
- De tarde, não, interrompeu-me ele; não pode ser de tarde.
- Então agora...
- Papai está olhando.
Na verdade, o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o filho, buscava-o muitas vezes com os olhos, para trazê-lo mais aperreado. Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as idéias e as paixões. Não esqueçam que estávamos então no fim da Regência, e que era grande a agitação pública. Policarpo tinha decerto algum partido, mas nunca pude averiguar esse ponto. O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca. E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção. Naquele dia, ao menos, pareceu-me que lia as folhas com muito interesse; levantava os olhos de quando em quando, ou tomava uma pitada, mas tornava logo aos jornais, e lia a valer.
No fim de algum tempo - dez ou doze minutos - Raimundo meteu a mão no bolso das calças e olhou para mim.
- Sabe o que tenho aqui?
- Não.
- Uma pratinha que mamãe me deu.
- Hoje?
- Não, no outro dia, quando fiz anos...
- Pratinha de verdade?
- De verdade.
Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me de longe. Era uma moeda do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dois tostões, não me lembro; mas era uma moeda, e tal moeda que me fez pular o sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois perguntou-me se a queria para mim. Respondi-lhe que estava caçoando, mas ele jurou que não.
- Mas então você fica sem ela?
- Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta?
Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...
Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma idéia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada.
Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a coisa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes, mas parece que era lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria, - e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal, - parece que tal foi a causa da proposta. O pobre-diabo contava com o favor, - mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo; pegou dela e veio esfregá-la nos joelhos, à minha vista, como uma tentação... Realmente, era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma coisa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...
Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre, que continuava a ler, com tal interesse, que lhe pingava o rapé do nariz. - Ande, tome, dizia-me baixinho o filho. E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante... Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia? E ele não podia ver nada, estava agarrado aos jornais, lendo com fogo, com indignação...
- Tome, tome...
Relancei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós; disse ao Raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos observava, então dissimulei; mas daí a pouco deitei-lhe outra vez o olho, e - tanto se ilude a vontade! - não lhe vi mais nada. Então cobrei ânimo.
- Dê cá...
Raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na algibeira das calças, com um alvoroço que não posso definir. Cá estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço, ensinar a lição e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um retalho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção. Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao castigo, tudo iria bem.
De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco, voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, impaciente. Sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa, o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito.
- Precisamos muito cuidado, disse eu ao Raimundo.
- Diga-me isto só, murmurou ele.
Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no bolso, lembrava-me o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, disfarçando muito; depois, tornei a olhar para o Curvelo, que me pareceu ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, estava agora pior. Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes, nem o mestre fazia caso da escola; este lia os jornais, artigo por artigo, pontuando-os com exclamações, com gestos de ombros, com uma ou duas pancadinhas na mesa. E lá fora, no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele. Imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la-ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tato a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la.
- Oh! seu Pilar! bradou o mestre com voz de trovão.
Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo.
- Venha cá! bradou o mestre.
Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a curiosidade e o pavor de todos.
- Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? disse-me o Policarpo.
- Eu...
- Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! clamou.
Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer muito. Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a e entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; depois estendeu o braço e atirou-a à rua. E então disse-nos uma porção de coisas duras, que tanto o filho como eu acabávamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e para emenda e exemplo íamos ser castigados. Aqui pegou da palmatória.
- Perdão, seu mestre... solucei eu.
- Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem-vergonha! Dê cá a mão!
- Mas, seu mestre...
- Olhe que é pior!
Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma coisa; não lhe poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos. Acabou, pregou-nos outro sermão. Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio!
Eu, por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia todos os olhos em nós. Recolhi-me ao banco, soluçando, fustigado pelos impropérios do mestre. Na sala arquejava o terror; posso dizer que naquele dia ninguém faria igual negócio. Creio que o próprio Curvelo enfiara de medo. Não olhei logo para ele, cá dentro de mim jurava quebrar-lhe a cara, na rua, logo que saíssemos, tão certo como três e dois serem cinco.
Daí a algum tempo olhei para ele; ele também olhava para mim, mas desviou a cara, e penso que empalideceu. Compôs-se e entrou a ler em voz alta; estava com medo. Começou a variar de atitude, agitando-se à toa, coçando os joelhos, o nariz. Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?
- Tu me pagas! tão duro como osso! dizia eu comigo.
Veio a hora de sair, e saímos; ele foi adiante, apressado, e eu não queria brigar ali mesmo, na Rua do Costa, perto do colégio; havia de ser na Rua larga São Joaquim. Quando, porém, cheguei à esquina, já o não vi; provavelmente escondera-se em algum corredor ou loja; entrei numa botica, espiei em outras casas, perguntei por ele a algumas pessoas, ninguém me deu notícia. De tarde faltou à escola.
Em casa não contei nada, é claro; mas para explicar as mãos inchadas, menti a minha mãe, disse-lhe que não tinha sabido a lição. Dormi nessa noite, mandando ao diabo os dois meninos, tanto o da denúncia como o da moeda. E sonhei com a moeda; sonhei que, ao tornar à escola, no dia seguinte, dera com ela na rua, e a apanhara, sem medo nem escrúpulos...
De manhã, acordei cedo. A idéia de ir procurar a moeda fez-me vestir depressa. O dia estava esplêndido, um dia de maio, sol magnífico, ar brando, sem contar as calças novas que minha mãe me deu, por sinal que eram amarelas. Tudo isso, e a pratinha... Saí de casa, como se fosse trepar ao trono de Jerusalém. Piquei o passo para que ninguém chegasse antes de mim à escola; ainda assim não andei tão depressa que amarrotasse as calças. Não, que elas eram bonitas! Mirava-as, fugia aos encontros, ao lixo da rua...
Na rua encontrei uma companhia do batalhão de fuzileiros, tambor à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto. Os soldados vinham batendo o pé rápido, igual, direita, esquerda, ao som do rufo; vinham, passaram por mim, e foram andando. Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor... Olhei para um e outro lado; afinal, não sei como foi, entrei a marchar também ao som do rufo, creio que cantarolando alguma coisa: Rato na casaca... Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma. E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor...

*fonte: www.biblio.com.br

OBS: NA POSTAGEM ABAIXO, UMA SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES PARA TRABALHAR COM ESTE CONTO, RETIRADA DA REVISTA "NOVA ESCOLA".