A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Rosaura Soligo
Ana Paula Gaspar Melim
Eliane Greice Davanço Nogueira
Ana Paula Gaspar Melim
Eliane Greice Davanço Nogueira
“A história nos deixa presentes.
Entre os presentes que deixa, os registros estão entre os mais belos.
O que ganhamos de alguém é um presente,
e talvez assim se chame porque simboliza a presença de quem nos deu.
Mas presente é também o lugar do tempo em que estamos :
entre o passado que já se foi e o futuro, que ainda não chegou.”[1]
Introdução
Ao nos debruçar sobre a escrita deste artigo temos como pretensão significar o termo “ presente” das duas formas: no sentido de presentear o leitor com a beleza e seriedade do relato de educadores e com a intenção de retomar no “tempo presente” uma experiência vivida no passado, que traz consigo inúmeras possibilidades de contribuir com o futuro que vem sendo construído na formação de professores.
Entendemos que o contexto atual solicita um profissional da educação bastante diferente daquele de algumas décadas atrás, em que bastava dominar a técnica e ter “jeito” com os alunos, para que fosse considerado um bom profissional e assim permanecesse até se aposentar.
Ora, o contexto educativo, como qualquer outro, não é uma totalidade estável. Intervir nesse contexto demanda a construção de saberes que possam servir como instrumento de análise das situações cotidianas da escola e da própria implicação pessoal na tarefa de educar.
Dentre os saberes necessários, destacaremos neste texto o da escrita, escrita na forma de registro que já pressupõe um modelo de formação de professores baseado na reflexão sobre a prática, na articulação teoria-prática.
Nesse modelo acreditamos que é fundamental que o professor aprenda a interpretar a realidade, ou seja, compreender o que há “por trás” das aparências – e esse conhecimento não se constrói do dia para a noite, apenas com estudos sobre a realidade. Demanda uma interação significativa com ela, a partir da qual seja possível criar formas de intervenção realmente eficientes e/ou transformadoras. Demanda espírito investigativo, práticas de leitura e escrita como formas de garantir a interação com a realidade vivida.
Dialogando com alguns autores
Além da grande maioria dos educadores lerem e escreverem pouco, a questão, como cita o Guia de Orientações Metodológicas Gerais do PROFA, “é que o tipo de leitura e de escrita que habitualmente fazem não é aquele que permite o desenvolvimento das formas mais elaboradas de pensamento – o que alguns especialistas chamam de “pensamento letrado”[2].
O ato de escrever sobre as vivências, as dúvidas, as práticas educativas e os dilemas no processo de aprendizagem é complexo, já que exige ao mesmo tempo distanciamento da prática, tornando-a objeto de reflexão, e registro dessas reflexões por escrito.
Ao escrever sobre os diários de classe, Zabalza (1994) salienta que “a atividade escrita arrasta consigo o fato de a reflexão ser condição inerente e necessária a sua elaboração”.
O registro reflexivo é um dos mais valiosos instrumentos para sabermos sobre nós mesmos, pessoal e profissionalmente, já que possibilita uma análise sobre o trabalho realizado juntamente com a sistematização dos saberes adquiridos e utilizados no exercício da profissão.
Reafirmando a importância do uso de registro, Angell apud Zabalza define – “... um documento pessoal é, para os nossos fins de investigação, aquele que revela a tomada de posição de uma pessoa, que participa em certos acontecimentos, sobre estes mesmos acontecimentos”.
Ainda segundo Zabalza, a escrita de diários converte-se num recurso de grande potencialidade, expressiva, em que se destaca quatro dimensões:
- o fato de se tratar de um recurso que implica escrever;
- o fato de se tratar de um recurso que implica refletir;
- o fato de nele se integrar o expressivo e o referencial;
- o caráter nitidamente histórico e longitudinal da narração.
-
Destacaremos aqui a segunda das quatro dimensões, sendo o diálogo que o professor trava consigo mesmo a possibilidade de projetar-se e, em seguida refletir sobre suas tomadas de posição, sobre seus desejos e emoções expostas nos registros.
A implicação pessoal na escrita do diário do professor revela o saber, os dilemas, os sentimentos, enfim o fazer e a forma como o faz. De fato, o professor é ao mesmo tempo o autor e o principal ator da narração escrita por ele. É como diz Clarice Lispector: “ escrevo porque a medida que escrevo vou me entendendo e entendendo o que quero dizer, entendo o que posso fazer. Escrevo porque sinto necessidade de aprofundar as coisas, de vê-las como realmente são...”
Além da dimensão pessoal, é preciso reconhecer no locus da escola um espaço de reflexão que caracteriza uma dimensão coletiva. Tomamos como referência Freire, que argumenta a favor da necessidade da constituição desses espaços a fim de que se desenvolvam práticas de observação, registro, reflexão e discussão permanentes.
Segundo Valadares (p. 193 O professor reflexivo), essa prática é entendida com um propósito claro: tratar os problemas do cotidiano escolar numa perspectiva que vai além de nossas intenções e atuações pessoais. Tendo a preocupação e o compromisso de não restringi-la aos muros da escola, às paredes da sala de aula, mas utilizando os novos saberes para sua emancipação político-social. (...)
ASSINARI, ALBERTO PEQUENO. GUIA BERLENDIS DE HISTÓRIA DA ARTE-DO RENASCIMENTO AO IMPRESSIONISMO ATRAVÉS DAS OBRAS DO MASP – 1995.
[2] Gordon Wells, “Condiciones para una alfabetización total”, Cuadernos de Pedagogía, 1991.
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