Ao longo deste livro, procurou-se mostrar que, assim como os ouvintes, também os alunos surdos podem se tornar leitores e escritores, se algumas condições lhes forem oferecidas. Tais condições envolvem mudanças na concepção de linguagem e de língua adotadas no ensino da Língua Portuguesa, bem como na representação das potencialidades dos alunos surdos, e o reconhecimento de que o acesso às informações se dá, para os Surdos, pela via visual.
Considerando-se estes pontos, os objetivos no ensino da língua Portuguesa para os alunos surdos são os mesmos estabelecidos para os ouvintes. Assim, espera-se que, até o final do Ciclo I, os alunos:
*Sejam integrantes de uma comunidade de leitores, compartilhando diferentes práticas culturais de leitura e escrita.
*Escrevam diferentes textos, selecionando os gêneros adequados a diferentes situações comunicativas, intenções e interlocutores.
Para atingir estes objetivos, os alunos surdos, assim como os ouvintes, devem ser expostos a atividades de interação comunicativa, de leitura e de escrita. No entanto, há que se lembrar que, geralmente, os alunos surdos, filhos de pais ouvintes, chegam à escola com pouco ou nenhum conhecimento de Língua de Sinais ou Portuguesa, cabendo aos profissionais propiciar condições para que eles adquiram a Língua de Sinais, preferencialmente na interação com adultos surdos, condição considerada atualmente essencial para que possam ser introduzidos no ensino da Língua Portuguesa.
A posição diferenciada dos alunos surdos frente à Língua Portuguesa vai responder por um processo mais lento, motivo pelo qual se optou, neste material, por não separar os objetivos por série, como o faz o Programa Ler e Escrever. Além disso, a inclusão da Língua de Sinais requer que se façam adaptações no ensino da Língua Portuguesa, o que se procurou contemplar nos objetivos e nas atividades propostas neste material.
Como foi exposto neste trabalho, a Língua de Sinais desempenha, para as pessoas surdas, o mesmo papel que a Língua Portuguesa, na modalidade oral, para as ouvintes.
Sendo assim, na sala de aula, a Língua de Sinais vai permitir ao aluno surdo participar das conversas, assim como das atividades de contar história ou de leitura pelo professor. Neste ponto, faz-se necessário lembrar que a Língua de Sinais, por ser visual/gestual, não tem a mesma organização sintática e nem expressa conceitos da mesma forma que as línguas orais.
Assim, não é possível traduzir o texto vocábulo por vocábulo porque o resultado seriaincompreensível ao surdo, mesmo que ele fosse muito proficiente na Língua de Sinais.
O professor ou o adulto surdo deve ler todo o texto, ou trechos dele, e interpretá-los na Língua de Sinais, possibilitando ao aluno acesso a todos os recursos que esta língua oferece, como expressão facial, movimentos corporais, uso do espaço, entre outros. Além disso, esta postura vai permitir ao aluno observar, desde cedo, que se trata de duas línguas, o que deve
Feitos os esclarecimentos, espera-se que os alunos surdos:
*Participem de situações de intercâmbio em Língua de Sinais, prestando atenção e formulando perguntas sobre o tema tratado.
*Apreciem textos pertencentes a diferentes gêneros, lidos autonomamente ou interpretados na Língua de Sinais, recontem histórias conhecidas, recuperando algumas características do texto sinalizado ou lido.
*Participem de situações de intercâmbio em Língua de Sinais, prestando atenção ao interlocutor; formulem e respondam perguntas, expliquem e fiquem atentos às explicações; manifestem opiniões.
*Participem de situações de intercâmbio que requeiram: prestar atenção ao que está sendo sinalizado, intervir sem sair do assunto tratado, formular e responder perguntas, explicar e ficar atento às explicações, manifestar e acolher opiniões, adequar as colocações às intervenções precedentes, propor temas.
*Planejem e participem de situações de uso da Língua de Sinais, sabendo utilizar alguns procedimentos de escrita para organizar sua exposição (cartazes, anotações, PowerPoint etc.).
Nos objetivos acima, assim como nos de leitura e de escrita, o leitor vai notar que há um acréscimo de habilidades, uma vez que, no Programa Ler e Escrever, eles estão dispostos por série. Mesmo correndo o risco de ficar repetitivo, optou-se por manter, neste livro, a mesma formatação.
Objetivos relacionados às práticas de leitura
Assim como os ouvintes, espera-se que os alunos surdos leiam:
*Com a ajuda do professor, diferentes gêneros (notícias, instrucionais, informativos, contos, entre outros) apoiando-se
*Com autonomia, placas de identificação, nomes, parlendas, adivinhas, poemas, canções, trava-línguas, listas, manchetes de jornal, entre outros.
*Com autonomia, diferentes gêneros (notícias, instrucionais, informativos, contos, entre outros) apoiando-se em conhecimentos sobre o tema do texto, as características de seu portador, do gênero e do sistema de escrita.
*Com a ajuda do professor, textos para estudar os temas tratados nas diferentes áreas de conhecimento (enciclopédias, artigos, revistas, entre outros).
*Saibam selecionar textos em diferentes fontes para busca de informações.
*Localizem informações no texto, apoiando-se em títulos e subtítulos, imagens, negritos, e selecionem as que são relevantes, utilizando procedimentos de escrita, como: copiar
a informação que interessa, grifar, fazer notas etc. (em enciclopédias, artigos, entre outros).
*Ajustem a modalidade de leitura ao propósito e ao gênero (história em quadrinhos, texto informativo, instrucional, entre outros).
*Utilizem recursos para compreender ou superar dificuldades de compreensão durante a leitura (pedir ajuda aos colegas e ao professor, reler o trecho que provoca dificuldades, continuar a leitura com intenção de que o próprio texto permita resolver as dúvidas, entre outros).
Como já foi mencionado nos objetivos referentes à interação comunicativa, é a Língua de Sinais que vai possibilitar, aos alunos surdos, atribuir sentido ao que lêem. Posteriormente, à medida que já disponham de conhecimento da Língua Portuguesa escrita, eles poderão contar com conhecimentos das duas línguas, cada uma contribuindo para a ampliação da outra.
Fernandes (2003) destaca a importância de as atividades de leitura, principalmente na fase inicial, serem contextualizadas por meio do uso de recursos visuais (figuras, vídeos, desenhos) que permitam aos alunos surdos a compreensão prévia do tema. A leitura de imagens conduzirá o processo de reflexão e de inferência. A leitura das imagens e a sua relação com experiências vividas permitirão o despertar da atenção e do interesse pelas possíveis mensagens que o texto veicula.
A dramatização é outro recurso importante para que os alunos surdos compreendam o texto que está sendo trabalhado. No entanto, nem os recursos visuais e nem a dramatização podem substituir o modelo do texto escrito.
Objetivos relacionados às práticas de escrita
Mesmo tendo em mente que os alunos surdos fazem uso preferencialmente da visão, e não da audição, no aprendizado da escrita, e que este fato vai resultar em um percurso diferente, espera-se que eles:
*Escrevam alfabeticamente textos que conhecem de memória (parlendas, adivinhas, poemas, canções, trava-línguas etc.), ainda que não segmentando o texto em palavras.
*Escrevam textos de autoria (listas, bilhetes, cartas, entre outros) individualmente, em duplas ou ditando para o professor.
*Reescrevam textos (lendas, contos etc.) de próprio punho ou ditando-os para o professor ou colegas, considerando as idéias principais do texto-fonte e algumas características da linguagem escrita.
*Reescrevam textos (contos, lendas, entre outros), considerando as idéias principais do texto fonte e algumas características da linguagem escrita.
*Escrevam alguns textos de autoria (bilhetes, cartas, regras de jogos, textos informativos, entre outros), utilizando alguns recursos da linguagem escrita.
*Utilizem procedimentos e recursos próprios da produção escrita (planejar o que for escrever, utilizar informações provenientes de fontes diversas; fazer rascunhos; revisar seu próprio texto; discutir com outros leitores aspectos problemáticos do texto; reler o que está escrevendo, entre outros).
*Escrevam alguns textos de autoria (bilhetes, cartas, regras de jogo, textos informativos, contos, lendas, entre outros), utilizando os recursos próprios da linguagem escrita.
*Releiam seus escritos, assumindo o ponto de vista do leitor de seu texto (revisar seu próprio texto cuidando de sua legibilidade).
*Utilizem procedimentos e recursos próprios da produção escrita (planejar o que for escrever, estabelecendo os aspectos fundamentais e sua ordem provável; utilizar informações provenientes de fontes diversas; fazer rascunhos; revisar seu próprio texto simultaneamente à produção; discutir com outros leitores aspectos problemáticos do texto; reler o que está escrevendo, entre outros).
*Assumam o ponto de vista do leitor ao revisar os textos com intenção de evitar repetições desnecessárias (por meio de substituição, uso de recursos da pontuação, entre outros); evitar ambigüidades, articular partes do texto, (garantir concordância verbal e nominal).
*Revisem o texto do ponto de vista ortográfico, considerando as regularidades ortográficas e irregularidades de palavras de uso freqüentes, uso de maiúscula e minúscula, entre outras.
Considerando o pouco conhecimento de Língua Portuguesa que a maior parte dos alunos surdos apresenta, é de se esperar que eles demonstrem mais dificuldades para escrever e que não necessariamente atinjam os mesmos níveis que os alunos ouvintes. Neste ponto, vale lembrar que a Língua Portuguesa é considerada nos documentos legais mais atuais como segunda língua para os Surdos, fato que deve ser levado em consideração na avaliação. Não se quer, com isso, justificar uma postura de pouca exigência e mesmo de representação do aluno surdo como incompetente. Assim como para os ouvintes, o professor deve propiciar condições para que os alunos surdos desenvolvam todo o seu potencial, o que não significa chegar aos mesmos resultados.
Svartholm (1998), como já foi referido neste livro, propõe que não se compare os resultados obtidos no uso da Língua Majoritária escrita por crianças surdas com os atingidos pelas ouvintes aprendendo a mesma língua, mas sim com dados de crianças aprendendo uma segunda língua. A Língua Majoritária, no nosso caso o Português, é a segunda língua dos alunos surdos, já que a primeira é a Língua de Sinais.
Este fato é reconhecido pelo Decreto Federal nº 5.626, o qual estabelece que, na correção das provas escritas, devem ser adotados mecanismos de avaliação coerentes com o aprendizado de segunda língua, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa.
Ainda em relação ao papel da visão na aquisição da escrita por alunos surdos, vale ressaltar que, diferentemente dos ouvintes, que se baseiam na audição para elaborar suas hipóteses sobre a escrita, os alunos surdos fazem uso da visão e, por este motivo, espera-se que suas hipóteses não
sejam as mesmas. O fato de ser diferente, não significa que os alunos surdos não levantem hipóteses sobre a escrita e nem que suas hipóteses não conduzam à aquisição da Língua Portuguesa na modalidade escrita.
Outro aspecto a considerar é que o pouco conhecimento da Língua Portuguesa não deve ser impedimento para que os alunos surdos participem de atividades de escrita desde o início do processo. No entanto, é esperado que eles necessitem, por mais tempo do que os ouvintes, que o professor ouvinte atue como escriba, escrevendo, na Língua Portuguesa, o que eles sinalizam na Língua de Sinais.
Ao passar, para a Língua Portuguesa, uma mensagem expressa na Língua de Sinais, o professor deve chamar a atenção para diferenças lingüísticas e textuais entre as duas línguas.
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