segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O DESENHO DA CRIANÇA COMO EXPRESSÃO DE CULTURA



PARA ALÉM DO PAPEL: O DESENHO DAS CRIANÇAS COMO EXPRESSÃO DE CULTURA


A Situação-problema
O desenho infantil é uma das linguagens mais próximas da criança. Através do desenho ela representa seu pensamento, procurando compreender as relações, os fenômenos, as pessoas.
Entretanto, ao observar as paredes da escola, especialmente no ano de 2008, percebemos o quanto ainda era necessário refletir sobre o desenho da criança enquanto linguagem e pensamento. O que se encontrava era uma atividade em si mesma ou apoiada numa concepção que considerava a cópia como estratégia.
Desenhos mimeografados, prontos ou para serem copiados, pintados de forma homogênea, tirando da criança o que ela poderia fazer de melhor - criar, imaginar, representar, dar-se a conhecer e conhecer através de seus traçados. Diante desta percepção o desafio se colocava: Como colaborar para que as professoras compreendessem o desenho como linguagem, ampliando as possibilidades de seu uso, de forma significativa e desafiadora?


O Histórico
No ano de 2008, quase dois terços do grupo de professoras em Jornada Especial de Formação (JEIF) avançou numa reflexão de que a utilização dos espaços na EMEI não refletia um ambiente ocupado por crianças, avaliando que o mesmo se dava nas salas de aula. Desenhos estereotipados ou mimeografados eram considerados válidos como produção das crianças. Outro dado que nos chamava atenção é que as produções das crianças não estavam presentes nas representações visuais da escola. Esse fato nos incomodava e motivou o início de um trabalho de formação focado na leitura dos textos “Registros e Paredes” de Meire Festa, e “A organização dos espaços na Educação Infantil” de Lina Iglesias Fornero, os quais permitiram discutir com as professoras a respeito da ocupação do espaço físico da escola. Os textos eram intrigantes pelo seu conteúdo, e “um passeio” pela escola (com a finalidade de tentarmos identificar, no pátio externo e interno e no corredor das salas de aula, o que temos “olhado, mas não temos visto” ao longo do tempo em que estamos nesta escola) mostrou-nos o que diariamente era olhado sem ser visto!
Naquele ano, as professoras detectaram que a escola estava vazia de “coisas de criança” e que a pintura nas paredes internas, com personagens de Walt Disney, e outros desenhos estereotipados no corredor das salas datavam de pelo menos 20 anos, de acordo com as primeiras professoras da escola. As demais eram da década de 1990.
Entendemos que algo poderia ser feito e, então, consultamos prestadores de serviço com a intenção de substituir os desenhos estereotipados por uma coletânea de desenhos realizados pelas crianças durante o ano de 2008, em diferentes estágios.
Para dar início à modificação do espaço interno, uma boa pintura na escola poderia ser o ponto de partida para a instalação de um novo ambiente bem como a substituição do mobiliário das crianças por outro, de tamanho mais adequado.
Conseguimos a pintura, que foi realizada pela própria Prefeitura, e em seguida a nossa tão sonhada “faixa decorativa” por toda escola.
Logramos sucesso naquela empreita, tendo em vista que as professoras se orgulham das representações gráficas que hoje estão nas paredes de nossa escola. Estamos falando da reprodução cuidadosa de desenhos elaborados pelas crianças, que hoje colorem os corredores das salas, do pátio interno e da área onde fica o parque e as “quadrinhas”.
Costumo dizer que estamos num processo de mudança e de reflexão sobre o significado da infância em nossos dias, apesar de já estarmos lidando com crianças pequenininhas há tanto tempo! Este processo precisa acontecer de “dentro para fora” e a decisão de ilustrar, naquele ano, primeiro as paredes internas não foi por acaso.
Acredito que estamos num caminho no qual concebemos a criança como sujeito de direitos, sujeito ativo no processo de aprendizagem, protagonista de seu percurso criador, de tal modo que assumimos o compromisso de colocar luz em suas produções, em suas aprendizagens e em suas experimentações.
Entendemos seus desenhos como imagens de alguém competente para produzir conhecimentos, que sabe muito e pode contribuir e aprender nas diversas interações. Está claro para nós que são os desenhos das crianças que queremos ver ilustrando os murais e paredes de nossa escola.
Deste modo, no ano de 2010 aproveitamos a ideia do Concurso de Desenhos da Prefeitura para reunir e selecionar os desenhos das crianças. Mesmo conhecendo a crítica feita a Mario de Andrade pelo concurso de desenhos realizado em 1937, ousamos também utilizar o mesmo recurso para expor os desenhos das crianças para além dos muros: eles agora compõem a Galeria de Arte das Crianças, nome sugerido pelo prestador do serviço de pintura e aceito pelos profissionais da EMEI, que se estende tanto pelo muro da Avenida Inajar de Souza quanto pelo da Rua Félix Alves Pereira. Os desenhos foram escolhidos pelas crianças através de um processo eletivo com a professora da classe.


Definindo objetivos
Tendo em vista nosso desejo em aprofundar nossos olhares para a temática das relações entre os diferentes atores da escola e com o intuito de buscar a democratização das relações entre os docentes, equipe de apoio e crianças, temos a certeza de que alguns caminhos em torno de certos objetivos ainda necessitam ser trilhados (ou recuperados!); entre eles destacamos o que ainda desejamos:
1- Compreender o desenho como linguagem e pensamento da criança;
2- Entender o desenho enquanto produto de cultura da infância;
3- Reconhecer a criança como protagonista de suas experiências;
4- Aproximar as professoras da experiência de Mario de Andrade e de sua concepção de infância, cultura e protagonismo infantil, em especial daquele que se relaciona o desenho à expressão cultural de um povo.


O fazer cotidiano, o estudo e a reflexão
Algumas professoras ainda acreditam que as crianças necessitam de modelos, que são oferecidos para as crianças, seja por que não consideram que as crianças serão capazes de desenhar sem ter “uma idéia” do que fazer seja por não acreditarem que este seja, verdadeiramente, o melhor caminho.
Vivemos situações nas quais modelos ainda são oferecidos às crianças e, infelizmente, ainda observamos que alguns conteúdos não fazem sentido imediato para elas. Em alguns casos, as professoras ainda estão definindo o que elas devem aprender.
Entendemos que colorir desenhos oferecidos pela professora ou aqueles que são mimeografados inúmeras vezes são apenas atividades mecânicas, que em nada colaboram para que a criança expresse seu pensamento, suas experiências ou aquilo que percebe do mundo.
Consideramos que o desenho seja uma linguagem através da qual a criança expressa o que sabe e o que aprendeu. Dessa forma, ele é considerado linguagem fundamental na infância, que, portanto, deve ser respeitada e valorizada, especialmente na escola de educação infantil.
Nossas conclusões preliminares sobre a utilização equivocada do desenho enquanto linguagem foi-se construindo nos momentos de socialização de atividades em horários coletivos, através do contato com os registros das professoras em seus Diários de Campo, bem como através da observação das crianças em atividades na sala e fora dela, que a professora declarava como atividade de “desenho”.
Observamos que as crianças desenham frequentemente, porém, em alguns casos, como atividade para “passar o tempo”, para esperar alguma outra atividade ou ainda como intervalo entre uma atividade e outra.
É o caso do “desenho livre”, que ocupa um espaço livre e sem compromisso. Na maioria dos casos ele é guardado e não se configura em material de estudo e pesquisa da professora, ou seja, com raríssimas exceções ele é retomado para que se possa fazer uma “leitura” daquilo que poderia estar por trás dos traçados das crianças.
Nosso compromisso de tratar o desenho como linguagem está para além do aprendizado de técnicas ou da compreensão de suas fases de desenvolvimento. Pretendemos realizar um trabalho que considere o desenho como instrumento da cultura da infância, característica do protagonismo infantil materialização da experiência cultural de uma época: o tempo de ser criança.
Temos como prioridade o respeito às culturas infantis e o direito ao brincar, em que a organização dos tempos e espaços seja ressignificada pela criança e pelos professores, através das diferentes linguagens, suas mais diversas formas de expressão e de seus saberes espontâneos, de modo a favorecer a ação educativa. E o desenho é uma delas


Por fim...
A criança vem ocupando um lugar de destaque em nossa sociedade, mesmo que de forma paradoxal, chamando a atenção de pesquisadores para suas capacidades criativas e de constituição da e na linguagem.
A perspectiva da sociologia da criança e da infância vem pensando a criança como categoria social desde a década de 1990 e traz importantes elementos para se pensar as crianças como produtoras de culturas. As diferentes formas de interagir no e com o mundo a sua volta, especialmente por meio do desenho, constituem o campo de produção da linguagem infantil.
Acredito que estamos encontrando um caminho, e é nesse contexto que entendemos o texto de Márcia Gobbi Foi respeitada a expressão da criança quando disse o que fez: Mário de Andrade e os desenhos das crianças pequenas, e as inúmeras lições deixadas por Mário de Andrade.
Valorizar o desenho da criança é um exercício de compromisso com as diferentes culturas: trata-se de um exercício de traduzir o desenho em projetos para apresentar o povo brasileiro a ele mesmo. Gobbi (2005) nos lembra que as crianças, constituem um pedaço deste povo, por vezes silenciado, não ouvido.
Mário de Andrade, em sua coleção de desenhos de meninos e meninas, grandes e pequenos, hoje pertencente ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, valoriza as manifestações infantis nessa busca pelo povo, um exercício que nós temos que aprender a fazer. Temos que compreender que as crianças produzem culturas em suas criações e em seus espaços e cabe a nós dar-lhes vez e voz.

* ¹ Este texto foi elaborado por Waldete Tristão Farias Oliveira, com apoio de Denise da
Silva Marquezini Moura Brasil - EMEI Prof. Arlindo Veiga dos Santos


Um comentário:

Karla Cristina Carrozzino Gaudencio disse...

Oi ! Concordo plenamente! Passe no no meu blog, pois trabalho com esta linguagem!
Beijos
Karla