domingo, 17 de maio de 2009

MATEMÁTICA E LITERATURA INFANTIL

A Literatura Infantil e a Resolução de Problemas em Matemática


A Matemática na Educação Infantil
Kátia Cristina Stocco Smole
Artmed



Acreditamos que, se um determinado material usado em aulas de matemática estiver adequado às necessidades do desenvolvimento da criança, as situações-problemas colocadas a ela enquanto manipula esse material fazem com que haja interesse e sentimento de desafio na busca por diferentes soluções aos problemas propostos. Consideramos a literatura infantil um material desse tipo.
Para explicitar melhor essa relação entre a literatura infantil e os problemas, julgamos necessário refletir um pouco sobre como se dá o trabalho com a resolução de problemas nas aulas de matemática.
De modo geral, os problemas que propomos aos nossos alunos são do tipo padrão, isto é, podem ser resolvidos pela aplicação direta de um ou mais algoritmos; a tarefa básica na sua resolução é identificar que operações ou algoritmos são apropriados para mostrar a solução e transformar a linguagem usual em linguagem matemática; a solução numericamente correta é ponto fundamental; a solução sempre existe e é única; o problema é apresentado por meio de frases, diagramas ou parágrafos curtos e vem sempre após a apresentação de determinado conteúdo ou algoritmo; todos os dados de que o resolvedor necessita aparecem explicitamente no problema.
Combinadas essas características, a maioria dos problemas convencionais acaba transformando o que deveria ser um processo de investigação em uma retórica, no sentido de apenas formular e responder questões, e gera uma busca frenética por uma sentença matemática que leve a uma resposta correta.
Quando adotamos os problemas-padrão como único material para o trabalho com resolução de problemas na escola, podemos levar o aluno a uma postura de fragilidade diante de situações que exijam criatividade. Ao deparar com um problema em que não identifica a operação a ser utilizada, só lhe resta desistir e esperar a resposta do professor ou de um colega. Algumas vezes, ele resolverá o problema mecanicamente sem ter entendido o que fez e não será capaz de confiar na resposta que encontrou, ou, mesmo, de verificar se ela é adequada aos dados apresentados no enunciado.
Por envolver, entre outros aspectos, a coordenação do conhecimento, experiência anterior, intuição, confiança, análise e comparação, a resolução de problemas é uma atividade complexa que não pode ser reduzida a um algoritmo, através do qual o aluno chegue a uma solução seguindo regras preestabelecidas.
Para iniciar uma mudança nesse quadro, é preciso, em primeiro lugar, que consideremos um problema como uma situação na qual o resolvedor não tem a garantia de obter a solução com o uso direto de um algoritmo. Tudo que ele conhece tem de ser combinado de maneira nova para que ele resolva o que está sendo proposto. Desse modo, um bom problema deve ser interessante, desafiador e significativo para o aluno, permitindo que ele formule e teste hipóteses e conjecturas.
Em segundo lugar, essa mudança traz implícita uma série de habilidades em resolução de problemas que esperamos ver desenvolvidas em nossos alunos. São elas: desenvolver e aplicar estratégias para resolver uma grande variedade de problemas; formular problemas a partir de situações matemáticas ou não; verificar e interpretar resultados com respeito ao problema proposto; usar resolução de problemas para investigar e entender os conteúdos matemáticos; adquirir confiança em usar matemática.
Isso implica dizer que nossa proposta para a resolução de problemas não se restringe a uma simples instrução de como se resolver um problema ou determinados tipos de problemas. Não se trata também de considerar a resolução de problemas como um conteúdo isolado dentro do currículo. Acreditamos que a resolução de problemas é uma metodologia de trabalho, através da qual os alunos são envolvidos em “fazer” matemática, isto é, eles se tornam capazes de formular e resolver por si questões matemáticas e através da possibilidade de questionar e levantar hipóteses adquirem, relacionam e aplicam conceitos matemáticos.
Sob esse enfoque, resolver problemas é um espaço para fazer colocações, comunicar idéias, investigar relações, e um momento para desenvolver noções e habilidades matemáticas.
Desenvolver a habilidade de resolver problemas pode criar conexões entre o entendimento informal que a criança traz para a escola e o conhecimento formal esboçado pelo currículo de matemática.
Essa mudança de postura exige também que busquemos outras fontes, além do livro didático, que propiciem ao aluno a aquisição de novos conceitos ou habilidades e, neste trabalho, tentamos mostrar que a literatura infantil explorada via metodologia da resolução de problemas é um recurso rico para ser utilizado com essa finalidade.
Em primeiro lugar, porque os livros infantis não exigem inicialmente do leitor outras informações, além daquelas que ele traz da sua própria vivência. Por isso, ao propormos os primeiros problemas, ainda durante a leitura da história, o aluno os resolve usando os recursos que tem e dados do próprio texto, sem preocupar-se em saber ou não a “conta” que deve usar, ou sem medo de errar a resposta.
Em segundo lugar, a literatura é facilmente acessível e proporciona contextos que trazem múltiplas possibilidades de exploração, que vão desde a formulação de questões por parte dos alunos até o desenvolvimento de múltiplas estratégias de resolução das questões colocadas.
Em terceiro lugar, a literatura infantil exige leitura e estimula a capacidade de interpretação de diferentes situações, o que também é uma habilidade essencial para um melhor desempenho dos alunos em resolução de problemas.
Em quarto lugar, essa conexão da matemática com a literatura infantil propicia um momento para aprender novos conceitos ou utilizar os já aprendidos.
Em quinto lugar, a leitura do texto necessariamente pede debate, diálogo, crítica e criação. Explorar problemas nesse contexto pode auxiliar os alunos a transferir esse processo para outras situações de resolução de problemas.
E, por fim, o uso da literatura infantil em conexão com o trabalho de resolução de problemas permite aos alunos e professores utilizarem e valorizarem, naturalmente, diferentes estratégias na busca por uma solução, tais como desenho, oralidade, dramatização, tentativa e erro, que são recursos normalmente esquecidos no trabalho tradicionalmente realizado nas aulas.
Essa conexão da matemática com a literatura infantil propicia um momento para aprender novos conceitos ou utilizar os já aprendidos. Mais que isso, apresenta um contexto que, por trazer uma multiplicidade de significações, evidencia a leitura e o conhecimento de mundo de cada leitor, suas experiências, suas perspectivas, suas preferências pessoais e sua capacidade de articular informações presentes no texto, com outras não presentes.
A seleção dos livros com vistas ao trabalho matemática/literatura infantil

O primeiro aspecto a ser considerado quando vamos pensar na conexão entre a matemática e a literatura infantil diz respeito à seleção dos livros que pretendemos utilizar.
Neste trabalho, levaremos em conta os mesmos critérios normalmente presentes no trabalho com a literatura infantil relacionado à língua materna. Assim, ao observar um livro que pretenda apresentar aos alunos, o professor deve refletir se os assuntos que ele aborda têm relação com o mundo da criança e com os interesses dela, facilitando suas descobertas e sua entrada no mundo social e cultural.
Também é importante observar que os assuntos, a linguagem, a apresentação e os valores do livro correspondam ao desenvolvimento psicológico e intelectual do leitor. Dessa forma, no entender de Abramovich e Góes, torna-se necessário, ao analisar a obra, verificar a qualidade da impressão, verificar se o livro transmite um sentimento de respeito e dignidade pela pessoa humana, refletir se o livro transmite informações objetivas e fidedignas.
No referente à matemática, mais especificamente, o professor pode selecionar um livro tanto porque ele aborda alguma noção matemática específica, quanto porque ele propicia um contexto favorável à resolução de problemas.
Muitos livros trazem a matemática inserida ao próprio texto, outros servirão para relacionar a matemática com outras áreas do currículo; há aqueles que envolvem determinadas habilidades matemáticas que se deseja desenvolver e outros, ainda, providenciam uma motivação para o uso de materiais didáticos. Um livro, às vezes, sugere uma variedade de atividades que podem guiar os alunos para tópicos matemáticos e habilidades além daquelas mencionadas no texto. Isso significa que, “garimpando” nas entrelinhas, podemos propor problemas utilizando as idéias aí implícitas. Em todos os casos, a história deverá propiciar um contexto fértil para a resolução de problemas.
Ao utilizar livros infantis, os professores podem provocar pensamentos matemáticos através de questionamentos ao longo da leitura, ao mesmo tempo em que a criança se envolve com a história. Assim, a literatura pode ser usada como um estímulo para ouvir, ler, pensar e escrever sobre matemática. É sempre bom deixar claro que uma mesma história deve ser lida e relida entre uma atividade e outra, para que as crianças possam perceber todas as suas características e, por isso, um mesmo texto pode ser utilizado em diferentes momentos do ano.
Para iniciar o trabalho, é importante, em primeiro lugar, que o professor goste de ler e tenha em mãos os livros com os quais queira trabalhar para que possa conhecer a história, visualizar as gravuras, que muitas vezes sugerem a exploração de um ou mais temas, e também para que possa elaborar atividades que sejam adequadas à classe com a qual está trabalhando. Além disso, é imprescindível ter claros os objetivos que se deseja atingir com o projeto a se elaborar para o livro escolhido. Do mesmo modo, salientamos a importância do professor ser criterioso na escolha das obras e estar atualizado com a produção de livros de literatura infantil para que tenha um leque amplo de alternativas de escolha.
Em segundo lugar, é fundamental que os alunos conheçam a história e se interessem por ela. Os alunos precisam ter direito à recreação, ao prazer da leitura gratuita e ao sonho. Para isso, o professor deve lembrar sempre de deixar o livro ser manuseado, folheado, buscado, separado, revisto até que a curiosidade seja despertada. Também é possível recorrer inicialmente aos mesmos recursos que são utilizados ao trabalhar as histórias nas aulas de língua materna, e é importante que se faça assim para que as atividades surjam naturalmente como uma extensão do que os alunos estão acostumados e fazer com os textos infantis.
Seja qual for a forma pela qual se leve a literatura infantil para as aulas de matemática, é bom lembrarmos que a impressão fundamental da história não deve ser distorcida por uma ênfase indevida em um aspecto matemático. Também não devemos esquecer que uma exploração do texto literário não deve ser colocada em segundo plano, sob pena de tornar ingênua ou falsa a interpretação e a leitura do texto literário. Após uma leitura, há muito o que discutir, o que analisar, o que fazer para a criança perceber e opinar criticamente.
Como afirma Calvino (1991), a literatura é método de conhecimento, uma teia de conexões entre fatos, pessoas e coisas do mundo. Para ele, a literatura superpõe diversos níveis de linguagem e o uso da literatura deve fazer o leitor contemplar horizontes cada vez mais vastos como se fosse desenvolver-se numa rede, em todas as direções, para abraçar o universo inteiro. Isso ocorre se tivermos o cuidado de deixar que o leitor explore todo o potencial do texto, com todas as suas palavras, suas nuances, sua variedade de formas verbais, sintáticas, suas conotações e efeitos os mais variados. Nenhum trabalho escolar, tenha a finalidade que for, pode perder de vista tais considerações. (...)
FONTE: Este material integra a Formação Continuada dos Coordenadores Pedagógicos/Supervisores – FOCO –IAS – dos Programas Circuito Campeão, Se Liga e Acelera Brasil de titularidade do Instituto Ayrton Senna.

Um comentário:

Bete disse...

tatiana querida, vc conhece algum livro que dê para trabalhar com problemas do tipo daquele livro da eva furnari Os problemas da família gorgonzola? se puder me ajudar mande-me um email com o nome, por favor. sou sua seguidora apesar de não estar na sua lista de seguidores. amo seu blog. obrigada bete