Saber dizer “não”
é, segundo os especialistas, um dos aspectos importantes e saudáveis da
educação de crianças e adolescentes.
Uma das maiores
dificuldades na educação de uma criança consiste na tarefa de saber dosar amor
e permissividade com limite e autoridade. Todos têm consciência da importância
de impor limites, mas o fato de saber disso não é suficiente para fazer desta
uma tarefa fácil. Os pais frequentemente se deparam com muitas dúvidas:
Estou agindo certo? Onde eu errei? Por que ele não me obedece?
É importante
analisar como a noção do proibido vai se constituindo ao longo do
desenvolvimento infantil para compreender melhor o comportamento da criança.
Ela, até o fim do primeiro ano de vida, obedece ao princípio primordial da vida
humana: o princípio do prazer. Por isso procura apenas fazer o que lhe causa
satisfação e tenta fugir do que é vivido como algo desprazeroso. Nesse estágio,
ela age por impulso instintivo. Esse é o primeiro sistema de funcionamento
mental, o mais primitivo e existente desde o nascimento do indivíduo, que é
denominado pela psicologia de id.
O id é
essencialmente impulsivo – age primeiro e pensa depois. É imperioso,
intolerante, egoísta e amoral; é agressivo, sexual, destrutivo, ciumento,
enfim, é tudo que existe de selvagem em nossa natureza. Assim, a criança quer
fazer tudo o que lhe vem à mente: deseja o que vê, imita o que fazem ao seu
redor e tem permanentemente insaciável e ativa a sua curiosidade que,
freqüentemente, aborrece, preocupa e constrange as pessoas. Ao mesmo tempo,
essa impulsividade é uma das necessidades mais prementes em seu
desenvolvimento, que, quando reprimida, gera crianças sem brilho, apáticas,
desinteressadas e rigidamente bem comportadas. A necessidade de tocar, apalpar,
mexer, demonstrar, destruir, desfazer e tentar reconstruir objetos são
atividades importantíssimas e fazem parte de sua forma de entrar em contato com
o mundo externo.
A partir dos 18
meses, a criança começa a se opor para afirmar-se e existir por si mesma. É o
início da fase do não, tão temida pelos pais, e que termina, na melhor das
hipóteses, por volta dos três ou quatro anos. Nessa fase, trata-se de uma oposição
sistemática, porém necessária à estruturação e organização de sua
personalidade. Basta substituir o "não" por "eu" para se
ter a chave do problema. Para uma criança, dizer "não" significa
apenas: "Eu acho que não! E você?" Ela quer simplesmente uma resposta
dos pais que, favorável ou não, terá, pelo menos, o mérito de indicar os
limites. A partir dos três ou quatro anos, a criança passa, pouco a pouco, do
"não" sistemático – modo de comunicação arcaico, mas necessário ao
seu desenvolvimento – para o "não" refletido, que afirma seus gostos
e escolhas.
Culpa e castigo
Desde cedo, a
criança percebe que seu comportamento impulsivo, em vez de satisfação,
freqüentemente acarreta uma censura por parte do mundo externo. Ela passa,
assim, a dominar suas atividades instintivas. Como, acima de tudo, a criança
deseja o apoio e a aprovação dos adultos e necessita imensamente deles,
especialmente do pai e da mãe, começa a compreender que precisa controlar
melhor seus desejos e impulsos. Ao conformar-se gradualmente com as imposições
do meio ambiente (educação), controlando ou repelindo os desejos que não podem
ou não devem ser satisfeitos, vai se estruturando o sistema moderador ou
filtrador, o ego.
O ego faz com que a
criança troque o princípio do prazer, que orientava suas atividades
instintivas, pelo princípio da realidade, mediante o qual consegue adiar ou
anular os impulsos que não são adequados ao meio em que vivem. O ego coloca-se
como intermediário entre o id e o mundo externo, entre as exigências impulsivas
e as restrições do meio.
A parte moral ou
ética da personalidade se manifesta quando julgamos nossos atos na categoria de
bom ou mau. Essas considerações dependem de um sistema de autocensura,
denominado superego. O superego desenvolve-se a partir do ego, mediante a
internalização ou incorporação dos modelos externos, das advertências e
censuras.
O superego passa a
atuar sobre a criança da mesma maneira que os pais: punindo-a quando se
comporta mal e dando-lhe a sensação de bem-estar quando age corretamente. A
punição assume um aspecto de sentimento de culpa ou de inferioridade, de
angústia ou inquietação. A recompensa proporciona, por sua vez, orgulho,
realização ou sensação de cumprimento do dever, ou seja, uma virtude.
Até dois ou três
anos, a noção do proibido não lhe faz ainda muito sentido. Será preciso
repetir-lhe muitas vezes o que ela pode ou não pode fazer, explicando-lhe em
poucas palavras a razão dessa proibição. Somente depois dos três ou quatro anos
a criança passa a compreender, cada vez melhor, as ordens dadas, começando a
entender as noções de bem e de mal. E, a princípio, ela procurará obedecer aos
pais somente para satisfazê-los.
As crianças, ao
contrário do que se pensa, são muito preocupadas com regras. Parece que agir
dentro de limites, cuidadosamente estabelecidos, oferece-lhes uma estrutura
segura para lidar com uma situação nova e desconhecida.
É fundamental que
os adultos tenham clareza de suas convicções e sejam fiéis a elas, pois, para
os pequenos, eles são modelos vivos a serem seguidos. É por meio do convívio
com essas fontes de referências que eles vão estruturando a sua própria
personalidade.
A criança que não
aprende a ter limite cresce com uma deformação na percepção do outro. As
conseqüências são muitas e, freqüentemente, bem graves como, por exemplo,
desinteresse pelos estudos, falta de concentração, dificuldade de suportar
frustrações, falta de persistência, desrespeito pelo outro – por colegas,
irmãos, familiares e pelas autoridades. Com freqüência, essas crianças são
confundidas com as que têm a síndrome da hiperatividade verdadeira, porque, de
fato, iniciam um processo que pode assemelhar-se a esse distúrbio neurológico.
Na verdade, muito provavelmente trata-se da hiperatividade situacional, pois,
de tanto poder fazer tudo, de tanto ampliar seu espaço sem aprender a
reconhecer o outro como ser humano, essa criança tende a desenvolver
características de irritabilidade, instabilidade emocional, redução da
capacidade de concentração e atenção, derivadas, como vimos, da falta de limite
e da incapacidade crescente de tolerar frustrações e contrariedades.
O pediatra e
psicanalista britânico Donald Winnicott dizia: “É saudável que um bebê conheça
toda a extensão da sua raiva. Na vida, existe o princípio do desejo e o
princípio da realidade. Uma criança a quem se cede em tudo imediatamente, ‘a
quem nunca se recusou nada’, como dizem os pais, suporta mal a frustração.
Muitos desses pais que cedem sempre vêem o filho no presente, ao passo que
aqueles que sabem dar sem mimar vêem o filho no tempo e no futuro. Eles lhe
oferecem perspectivas, lhe mostram o valor do desejo e da espera, para melhor
saborear o que é obtido.”
Maria Guimarães
Drumond Grupi
3 comentários:
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