domingo, 7 de fevereiro de 2010

ENTREVISTA: HELOÍSA PRIETO




A escritora Heloisa Prieto explica como é possível incentivar alunos do ensino infantil e fundamental a gostar de ler. Ela também dá sugestões de obras que ajudam a incorporar a leitura no cotidiano escolar das crianças.



Palavra de escritora



A escritora infanto-juvenil Heloisa Prieto, nascida em uma família de contadores de histórias, tem cerca de 40 títulos publicados, coleciona quatro dos mais importantes prêmios da literatura infantil do Brasil e já escreveu textos para teatro, cinema e para TV, onde participou do programa Castelo Rá-Tim-Bum. Entre os livros que Heloisa escreveu, estão Lá Vem História e Lá Vem História Outra Vez, da Companhia das Letras; Balada, da editora Brinque Book e a série
Mano Descobre, em parceria com o jornalista Gilberto Dimenstein. Atualmente, ela faz doutorado na Usp, estudando o processo de criação de narrativas míticas.
Heloisa concedeu entrevista ao Diário na Escola, falando sobre literatura, leitura, rodas de histórias e livros indicados para crianças do ensino infantil e fundamental, bem como sobre a postura dos professores diante do desafio de trazer a literatura para a vida dos alunos. Ela deu dicas como, por exemplo, a de que o leitor iniciante não tem a obrigação de ler uma obra toda, do começo ao fim. Ele pode saltar capítulos, ler trechos ou até devorar o livro sem interrupções, se estiver empolgado. “O conselho que eu daria para que a leitura seja incorporada no cotidiano da criança é que os pais e educadores a considerem como fonte de conhecimento, mas também de lazer”, disse. A seguir, acompanhe a entrevista completa com uma das principais autoras da literatura infanto-juvenil brasileira da atualidade.



DIÁRIO NA ESCOLA – A arte de narrar histórias está em vias de extinção?
HELOISA PRIETO – As histórias estão em todo lugar, por exemplo, no outdoor que contém uma
microcena de namoro, no comercial da televisão, nas novelas, nas revistas de fofocas, no rádio, nos videoclipes, nos filmes, romances, revistas em quadrinhos, vivemos num mundo dominado por milhares de narrativas. O ritual tradicional de contar histórias acompanha o ser humano desde as cavernas rupestres e sempre existirá, mesmo que a conversa hoje em dia trate de lendas urbanas e que seu conteúdo seja em um shopping-center.



DIÁRIO NA ESCOLA – Qual a importância dos momentos de leitura, rodas de história, para alunos e professores?
HELOISA – Quanto mais o educador tiver consciência da permanência das histórias e menos preconceito com relação ao mundo moderno, no sentido de tentar compreender a linguagem dos quadrinhos, dos jogos de RPG (nos quais os participantes atuam como personagens de uma história), dos blogs na Internet, do videogame e do videoclipe, mais facilidade terá em estabelecer vínculos entre o mundo do jovem moderno e o universo da literatura tradicional. O ritual formal da leitura é muito importante, mas o professor também deve considerar a inteligência do jovem. Quando um educador considera a geração da Internet como um recipiente a ser preenchido por conhecimentos livrescos restritos a uma concepção romântica da literatura, esvazia toda possibilidade de diálogo e de troca com o jovem habituado ao mundo virtual.



DIÁRIO NA ESCOLA – Quais são as histórias que encantam as crianças dos ensinos infantil e fundamental?
HELOISA – Contos de fadas e literatura fantástica constituem um gênero literário que é considerado como o mais apreciado por jovens e crianças. Porém, isso não exclui o leitor adulto que também pode encantar-se com as peripécias do Mago Merlin ou rei Arthur. Já a literatura de aventuras, como os clássicos Conde de Monte Cristo, Os Meninos da Rua Paulo, Os Capitães de Areia, Drácula, são histórias para jovens de todas as idades. Finalmente, as fábulas, tanto as
tradicionais, de Esopo, quanto as modernas, como os livros de Ana Maria Machado e Ruth Rocha, sempre divertem e instruem crianças e professores. Impossível não rir de Marcelo, Marmelo,
Martelo (Ruth Rocha) ou refletir com os problemas de Raul da Ferrugem Azul (Ana Maria Machado).



DIÁRIO NA ESCOLA – Normalmente, as crianças têm um certo receio de livros maiores, com textos mais longos e sem muita ilustração. Por que isso acontece? Como o professor pode trabalhar para desconstruir essa idéia?
HELOISA –Atualmente, os dois livros mais vendidos para jovens em livrarias são a coleção Harry Potter e o Senhor dos Anéis. Os livros são longos, sem ilustrações e todos têm a obrigação de tê-los em suas mochilas. Os jovens gostam de livros longos, mesmo que os leiam saltando capítulos. Quem tem dificuldade de incorporar este material em sala de aula é o professor, habituado a trabalhar com o apoio da ilustração, com o texto curto, em formato de conto. Creio que o professor deve procurar maneiras de capacitar-se para o ensino da literatura de aventuras, (Os Três Mosqueteiros na versão integral tem 1,2 mil páginas). Porém, há livros de qualidade a respeito de como desenvolver a leitura criativa no universo do jovem e da criança. Cecilia Meirelles tem uma obra interessante sobre esse assunto, bem como Fanny Abramovich, Ana Maria Machado, de minha própria safra há o título Quer Ouvir uma História?, da editora Angra.

DIÁRIO NA ESCOLA – Como incorporar a leitura no cotidiano das crianças?
HELOISA –O conselho que eu daria para que a leitura seja incorporada no cotidiano da criança é que os pais e educadores a considerem como fonte de conhecimento, mas também de lazer. Já vi pais proibindo filhos de comprarem livros que não estivessem na lista dos professores. Porém, todo mundo deve ter uma boa quota de literatura de entretenimento. Daniel Pennac, um educador francês dizia que todo leitor tem direito de abandonar um livro, saltar capítulos, ler sem parar, enfim... Em casa, sempre ajuda montar uma pequena estante no quarto e, quando possível, levar os filhos numa livraria dando-lhes liberdade de comprar livros de seu próprio interesse. Na escola, é sempre bom quebrar o mito de que a leitura depende de uma compreensão definitiva. Um bom livro contém muitos níveis de interpretação. Quando o professor reduz a mensagem a um único caminho determinado por ele, na verdade, limita o espaço de reflexão que a literatura libera. Um autor como Shakespeare pode ser lido durante toda uma vida e a cada leitura se descobre uma nova camada de conhecimento.
DIÁRIO NA ESCOLA – Quais são as dicas para o professor inserir na sua prática as rodas de leitura como atividade permanente sem tornar a história apenas um exercício escolar, mantendo seu encantamento?
HELOISA –Para que o professor crie um clima gostoso com as crianças na hora de contar uma história é preciso que ele goste da história que escolheu. Quem sabe narrar com gosto, conta histórias num acampamento, debaixo de uma mangueira, à beira da praia, no ônibus. É preciso também que o professor tenha sensibilidade para perceber as histórias que mais encantam seus alunos e i7nky, a escritora russa, radicada no Brasil, que foi amiga de Monteiro Lobato e é considerada a Sherazade brasileira (Sherazade é a personagem contadora de histórias no livro As Mil e Uma Noites). Narrar é uma forma de pensar o mundo. Se a professora está na manicure e começa a contar um caso que aconteceu com ela, está praticando esta arte ancestral
que nunca entrará em extinção porque estrutura o pensamento humano.

Heloisa Prieto afirma que existem duas formas de leitura: A primeira é a leitura que dá prazer, que diverte; a segunda, é a leitura que deve ser feita como observação e apreciação do estilo do autor, do talento que ele tem para escrever. Para ela, a criança pode pertencer a uma “família de livros” diferente da dos pais dela e isso deve ser respeitado. “A relação com histórias e livros é complicada e merece especial atenção”, diz. Ela também dá sugestões de obras que ajudam a incorporar a leitura no cotidiano escolar das crianças




* FONTE: DIÁRIO DO GRANDE ABC - DIÁRIO NA ESCOLA (12/09/2003)

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