A educadora Priscila Monteiro fala da importância do trabalho com matemática no ensino infantil. Ela diz que nessa fase a disciplina estrutura conceitos que serão desenvolvidos futuramente
destaca o papel da matemática no desenvolvimento do potencial argumentativo dos alunos e afirma que os professores precisam levar em conta os conhecimentos que as crianças adquiriram
fora da escola, em suas famílias, nos jogos, na TV, por exemplo.
DIÁRIO NA ESCOLA – Deve haver trabalho com matemática na educação infantil?
PRISCILA – As crianças, desde bem pequenas, pensam sobre o mundo que as cerca e procuram compreendê-lo. Um trabalho intencional com as áreas de conhecimento, entre elas a matemática, contribui para que as crianças elaborem e sistematizem conhecimentos. No entanto, é importante considerar que a educação infantil engloba o período de zero a 6 anos, portanto é necessário se ter em conta as características próprias das crianças de cada faixa etária, suas necessidades, prioridades e sua forma de conhecer o mundo. Na prática, no início, as crianças devem ter uma aproximação global com os conteúdos. Não se trata de trabalho matemático, mas atividades com calendários, com músicas que veiculam séries numéricas. Até com bebês, é possível desenvolver uma consciência espacial que é a gênese do trabalho com matemática. Com
bebês, a ocupação do espaço, estar em berços ou circular pelo chão, são noções que ajudam posteriormente a fundamentar a geometria. Há pesquisas realizadas por educadores portugueses que afirmam que a mulher tem mais dificuldade nessa fundamentação porque brinquedos infantis para meninas são parados, exigem menos movimentos que as bolas, carrinhos e brincadeiras dos meninos. Os professores precisam ter consciência disso.
PRISCILA –O trabalho didático deve necessariamente levar em conta a natureza do objeto de conhecimento e o processo pelo qual as crianças passam ao construí-lo. Por um lado, é importante que a escola trabalhe com os conhecimentos matemáticos tal como aparecem nas práticas sociais, o que significa dizer, trabalhar desde sempre (com crianças bem pequenas) com conteúdos bastante complexos. Sabemos que as crianças constroem seus
conhecimentos matemáticos por meio de sucessivas reorganizações ao longo das suas vidas. Elaboram uma série de idéias e hipóteses provisórias antes de compreender um objeto em toda sua complexidade. Nessa abordagem, complexidade e provisoriedade são didaticamente inseparáveis. O professor precisa levar em conta os conhecimentos que as crianças adquiriram fora da escola (em suas famílias, nos jogos, na TV...), propondo-lhes situações de aprendizagem nas quais precisem utilizar esse conhecimentos para construir novos. Ao invés de esperar respostas imediatas no início das atividades coletivas, o professor precisa dar tempo para que as crianças pensem - individualmente ou em pares - precisa retomar as idéias expressas pelas crianças para que seus companheiros possam pensar sobre elas e devolver ao grupo - em forma de problemas a resolver - afirmações feitas só por algumas crianças.
DIÁRIO NA ESCOLA – Qual a maneira de colocar os conhecimentos em ação?
PRISCILA – Respeitar o que as crianças sabem é colocar esses conhecimentos em ação. Como sugestões práticas de atividades, o educador pode procurar selecionar para as crianças músicas que intencionalmente veiculem séries numéricas. Pode propor circuitos de movimento que promovam a aproximação global. Com isso, as crianças começam a entender a complexidade dos
conteúdos.
DIÁRIO NA ESCOLA – A forma como se trabalha matemática na Educação Infantil, atualmente, está longe da ideal?
PRISCILA –O principal caminho para um bom trabalho em matemática na educação infantil é a formação continuada de professores. Cada vez mais, as propostas de formação de professores tem se voltado para a demanda dos próprios professores. Eles querem ajuda para responder aos problemas que enfrentam no dia-a-dia. Na maioria das vezes, estes problemas estão vinculados ao ensino ou à aprendizagem escolar de determinados conteúdos. Dentre eles, conteúdos matemáticos. Partindo de sua própria prática e refletindo sobre ela os professores podem de fato aprimorá-la, na direção da melhoria da aprendizagem das crianças. Outra questão que deve ser
destacada é que existem pesquisas didáticas sobre matemática e educação infantil que são ignoradas. Há um movimento já de 20 anos, na França, que um grande número de pessoas não conhece. É necessário que haja uma apropriação deste conhecimento. Os RCNEI (Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil) são um caminho, pois estão amparados nessas pesquisas.
DIÁRIO NA ESCOLA – Qual a finalidade de desenvolver a disciplina no infantil?
PRISCILA – Fundamental para estruturar um trabalho futuro. A gênese do que acontece com bebês é diferente quando eles são deixados no berço, no quadrado, de quando eles podemengatinhar pelo espaço. A experiência que a criança tem em relação aos números também estrutura um trabalho posterior. As crianças devem ser estimuladas a estabelecer relações. Por exemplo, um aluno sobe na balança e se confunde: ‘deixe ver quanto eu custo?’, ‘34 ou 43 são diferentes?’ Estes questionamentos e as respostas a eles são condições estruturantes para trabalhos com cálculos mentais que serão feitos mais para frente. Portanto, é fundamental um trabalho consistente na educação infantil que embase os conhecimentos que serão aprofundados mais tarde.
DIÁRIO NA ESCOLA – Quais conteúdos devem ser trabalhados no infantil?
PRISCILA – Os RCNEI propõem a organização dos conteúdos em matemática da seguinte maneira: números e sistema de numeração - envolve contagem, registro de quantidades próprios das crianças, série numérica convencional. É importante, por exemplo, introduzir na sala de aula a numeração escrita tal como ela é, e trabalhar a partir dos problemas inerentes à sua utilização grandezas e medidas espaço e forma .
DIÁRIO NA ESCOLA – O objetivo do trabalho com matemática na educação infantil é uma preparação para o fundamental?
PRISCILA – Nenhum segmento da educação deve ser considerado como preparatório para o posterior. A educação infantil precisa ser valorizada como um direito em si, o que implica em formulação de políticas públicas para garantir o acesso e o ensino de qualidade para todas as crianças nesta faixa etária. Falar em ensino de qualidade significa assumir compromisso com a aprendizagem das crianças. Desta forma, podemos dizer que os conteúdos matemáticos trabalhados na educação infantil deveriam ser estruturantes para os trabalhados no ensino fundamental, mas não preparatórios.
DIÁRIO NA ESCOLA – A matemática no infantil pode ajudar a desenvolver o conceito de cidadania nas crianças?
PRISCILA – Com o desenvolvimento da consciência matemática, os pequenos podem, por exemplo, questionar quanto um determinado produto custa. Esta pesquisa de preços e a conseqüente comparação de números, têm um objetivo social: o aluno passa a entender o que é mais barato, mais caro e descobre como o sistema se organiza. Além disso, nessa fase em que as crianças ainda não sabem comparar, dentro de uma prática de uso social, elas podem aprender porque um número é maior que o outro. Porém o que considero mais importante para o conceito de cidadania, é a utilização da matemática para desenvolver o potencial argumentativo dos alunos. Para isso, a disciplina não pode ser vista só como uma ciência exata e absoluta do dois mais dois dá quatro. Os professores precisam provocar as crianças para que elas saibam argumentar e consolidar um conhecimento.
DIÁRIO NA ESCOLA – Pode exemplificar?
PRISCILA – Quando o aluno do infantil tem que anotar uma determinada quantidade de coisas ele não usa a escrita de numerais, desenha pauzinhos, risca palitinhos. O educador quer que ele use o numeral 5, pois é mais econômico, porém para a criança é mais coerente usar cinco marcas que um número só. Isso tem uma lógica grande, como cinco coisas podem ser representadas por um número apenas? Para que a criança evolua, a atividade deve criar um problema para o
registro dela. O professor pode pedir que ela registre, 105 coisas. As marcas, palitinhos, pauzinhos, não são eficientes neste caso pois
ordem dos fatores não altera o produto. Mas esse conhecimento é sem valor se não for a conclusão de algo que se construiu, que levou o aluno a entender que dois multiplicado por três é a mesma coisa que três multiplicado por dois. Essa é a conclusão de um conhecimento construído por outro que não deve ser ensinada e nem aceita como um conhecimento pronto. Alunos e professores devem ter argumentos para respaldar os caminhos da matemática. esse exercício é
fundamental para formar cidadãos que saibam questionar fatos, determinações, deveres e que saibam argumentar sobre seus direitos.
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