segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O PROFESSOR: UM ATOR NO PAPEL DE LEITOR




Na escola, a quem se atribui a responsabilidade de atuar como leitor? Enquanto a função de decidir sobre a validade das interpretações costuma ser reservada ao professor – como já vimos anteriormente –, o direito e a obrigação de ler costumam ser privativos do aluno.
Para que a instituição escolar cumpra sua missão de comunicar a leitura como prática social, mais uma vez parece imprescindível atenuar a linha divisória que separa as funções dos participantes na situação didática. Para comunicar às crianças os comportamentos que são típicos do leitor, é necessário que o professor os encarne na aula, que ofereça a elas a oportunidade de participar de atos de leitura que ele próprio está realizando, que estabeleça com elas uma relação de “leitor para leitor”.
Nessa perspectiva, ao longo de uma mesma atividade ou em atividades diferentes, a responsabilidade de ler pode, em alguns casos, ser apenas do professor ou apenas dos alunos, ou ser compartilhada por todos. O ensino adquire características específicas em cada uma dessas situações.
Ao adotar em aula a posição de leitor, o professor cria uma situação de ficção: procede “como se” a situação não tivesse lugar na escola, “como se” a leitura estivesse orientada por um propósito não-didático – compartilhar com os outros um poema que o emocionou, ou uma notícia de jornal que o surpreendeu, por exemplo. Seu propósito é, no entanto, claramente didático: o que se propõe com essa representação é comunicar a seus alunos certos traços fundamentais do comportamento leitor. O professor interpreta o papel de leitor e, ao fazê-lo, atualiza um significado da palavra “ensinar” que habitualmente não se aplica à ação da escola, significado cuja relevância, no caso da leitura, faz tempo tem sido apontada por M.E. Dubois (1984):
“Pode-se falar de ensinar em dois sentidos, como um ‘fazer com que alguém aprenda algo’ […], ou como um ‘mostrar algo’3 […]. A idéia de ensinar a leitura desta última forma […] seria mostrar à criança de que maneira nós, adultos, utilizamos a leitura, do mesmo modo como lhe mostramos de que maneira usamos a linguagem oral.”
Mostrar para que se lê, quais são os textos que atendem a certa necessidade ou interesse, e quais serão mais úteis para outros objetivos, mostrar qual é a modalidade de leitura mais adequada para uma determinada finalidade, ou como o que já se sabe acerca do autor ou do tema tratado pode contribuir para a compreensão de um texto… Ao ler para as crianças, o professor “ensina” como se faz para ler.
A leitura do professor é particularmente importante no início da escolaridade, quando as crianças ainda não lêem, por si próprias, de forma eficaz. Durante esse período, o professor cria muitas e variadas situações nas quais lê diferentes tipos de texto. Quando se trata de um conto, por exemplo, cria um clima propício para desfrutá-lo: propõe que as crianças se sentem a sua volta para que possam ver as imagens e o texto, caso queiram; lê com a intenção de provocar emoção, curiosidade, suspense ou diversão; evita as interrupções que poderiam cortar o fio da história e, portanto, não faz perguntas para verificar se as crianças estão entendendo, nem explica palavras supostamente difíceis; incentiva as crianças a seguirem o fio da narrativa (sem se deterem no significado particular de certos termos) e a apreciarem a beleza daqueles trechos cuja forma foi objeto de um cuidado especial por parte do autor. Quando termina o conto, em vez de interrogar os alunos para saber o que compreenderam, prefere comentar suas próprias impressões – como faria qualquer leitor – e, com isso, desencadeia uma animada conversa com as crianças sobre a mensagem que pode ser inferida a partir do texto, sobre o que mais impactou a cada uma, sobre os personagens com os quais se identificam ou que lhes parecem estranhos, sobre o que teriam feito se precisassem enfrentar uma situação semelhante ao conflito apresentado no conto…
Quando, no entanto, se recorre a uma enciclopédia ou a outros livros para buscar respostas para as questões das crianças sobre um tema em estudo – por exemplo, em relação ao corpo humano as crianças de 5 ou 6 anos costumam fazer perguntas do tipo “por que se chamam ‘dentes de leite’ os que estão caindo?”; “serão realmente de leite?”; “é o coração que empurra o sangue ou é o sangue que empurra o coração?” –, o professor recorre ao índice, lê os diferentes títulos que nele se encontram e discute com as crianças em qual deles será possível encontrar a informação que procura; uma vez localizado o capítulo em questão, localizam-se os subtítulos, o professor os lê (mostrando-os), escolhe-se aquele que parece ter relação com a pergunta formulada, o professor explora mais essa parte do texto (indicando-a), até localizar a informação, em seguida lê, e analisa-se em que medida responde à questão surgida …
Uma vez terminada a leitura, tanto no caso do texto literário quanto no do texto informativo, o professor põe o livro que leu à disposição das crianças, para que possam folheá-lo e possam se deter naquilo que lhes chamar mais a atenção, propõe que levem para casa esse livro e outros que achem interessantes… Faz propostas desse tipo porque quer que as crianças descubram o prazer de reler um texto do qual gostaram ou de evocá-lo, observando as imagens, porque considera importante que seus alunos continuem interagindo com os livros e compartilhando-os com os outros, porque não considera imprescindível controlar toda a atividade leitora de seus alunos.
O professor continuará atuando como leitor – embora certamente não com tanta freqüência como no início – durante toda a escolaridade, porque lendo materiais que ele considera interessantes, belos e úteis, poderá comunicar às crianças o valor da leitura.
Entretanto, operar como leitor é uma condição necessária, mas não suficiente para ensinar a ler. Quando as crianças se confrontam diretamente com os textos, o ensino adquire outras características, são necessárias outras intervenções do docente. Essas intervenções são orientadas para que as crianças possam ler por si mesmas, para que avancem no uso de estratégias eficazes, nas suas possibilidades de compreender melhor o que lêem.
Em alguns casos, como já dissemos, a responsabilidade da leitura será compartilhada. Essa modalidade se mostra apropriada, por exemplo, quando se aborda um texto difícil para as crianças. Enquanto estão lendo, o professor as incentiva para que continuem a leitura sem se deterem diante de cada dificuldade, sem a pretensão de entender tudo, buscando compreender qual é o assunto tratado no texto; uma vez que elas tenham trocado idéias a partir dessa leitura global, propõe-se uma segunda leitura durante a qual irão descobrindo que conhecer todo o texto permite compreender melhor cada parte. No decorrer dessa leitura, ou durante a discussão posterior, o professor intervém – se considerar necessário – acrescentando uma informação pertinente para uma melhor compreensão de algum trecho, sugerindo que estabeleçam relações entre as partes do texto que eles não tiverem relacionado por si mesmos, perguntando sobre as intenções do autor, desafiando a distinguir o que o texto diz explicitamente e o que quer dizer… A ajuda oferecida pelo professor consiste em propor estratégias das quais as crianças se apropriarão progressivamente, e que serão úteis para abordar novos textos que apresentem certo grau de dificuldade. Além disso, nessas situações, o professor incentiva os alunos a cooperarem entre si, com o objetivo de que a confrontação de pontos de vista leve a uma melhor compreensão do texto.
Finalmente, em situações como as que analisamos no ponto anterior, o professor devolve totalmente às crianças a responsabilidade da leitura – cria uma atividade que lhes exige trabalhar sozinhas durante um tempo determinado –, com o objetivo de que se esforcem por compreender e construam ferramentas de autocontrole.
Em síntese, tanto ao mostrar como se faz para ler quando o professor se coloca no papel de leitor, quanto ao ajudar as crianças sugerindo estratégias eficazes nos momentos de leitura compartilhada, como também ao delegar a elas a responsabilidade pela leitura, individual ou grupal, o professor está ensinando a ler.

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