CONTRIBUIÇÕES À PRÁTICA PEDAGÓGICA 7
HIPÓTESES DE LEITURA
Hoje já é possível saber que, assim como as hipóteses sobre como se escreve são construções originais das crianças, a distinção entre o que está escrito e o que se pode ler também resulta de uma elaboração do aprendiz. Isso não significa que as informações recebidas tanto dentro como fora da escola deixem de ter um papel nessa construção, e sim que a compreensão de que se escreve cada segmento do que se fala, na ordem em que se fala, por exemplo, não é passível de transmissão direta nem é, como se pensava, evidente por si mesma.
Mas o que, de fato, saber sobre a distinção elaborada pelo aprendiz entre o que
está escrito e o que se pode ler contribui para a prática pedagógica?
As informações sobre as “hipóteses de leitura” indicam que:
• As idéias dos alunos sobre o que está escrito e o que se pode ler evoluem de acordo com as oportunidades de contato com a escrita; portanto, promover variadas situações de leitura – em que eles participem de forma ativa, ou testemunhem atos de leitura e escrita como parte interessada – favorece a conquista da correspondência exaustiva entre os segmentos do enunciado oral e os segmentos gráficos.
• Ler em voz alta um texto marcando oralmente de forma artificial as fronteiras de cada um dos segmentos escritos, ou solicitar que os alunos pintem os espaços entre as palavras (como se eles tivessem dificuldades para perceber o “vazio” que separa graficamente as palavras) não garante sua compreensão de que tudo o que foi dito deve estar escrito, e escrito na mesma ordem emitida. As informações fornecidas pelo professor são processadas pelo aprendiz de acordo com suas próprias concepções. Em outras palavras: os alfabetizandos não possuem problemas de percepção quando não compreendem esse fato tão óbvio ao olhar alfabetizado – o de que tudo o que se diz deve estar escrito na mesma ordem da emissão. Mas a conceitualização que possuem
ainda não dá conta da questão, e avançarão na medida em que tiverem oportunidade de participar em situações de aprendizagem que demandem refletir sobre o que deve estar escrito em cada “pedaço” dos textos.
• Oferecer textos que os alunos conhecem de cor (parlendas, poesias, canções, quadrinhas etc.) e solicitar que acompanhem a leitura indicando com o dedo costuma ser uma boa situação para que possam reorganizar suas idéias sobre o que está escrito e o que se pode ler. Solicitar que localizem nesses textos determinados substantivos, adjetivos, verbos e até mesmo as “partes pequenas” – artigos, preposições etc. – pode ser uma boa intervenção por parte do professor. Por exemplo, ao realizar uma atividade de leitura de uma quadrinha ou canção que as crianças sabem de cor, é interessante que, enquanto elas vão dando conta de localizar as palavras que acreditam estarem escritas, o professor vá propondo a localização de outras mais “difíceis”. Observe a quadrinha abaixo:
PIRULITO QUE BATE BATE
PIRULITO QUE JÁ BATEU
QUEM GOSTA DE MIM É ELA
QUEM GOSTA DELA SOU EU
Além de pedir para localizar “pirulito” e de perguntar com que letra começa ou termina, é possível propor inúmeras questões para os alunos pensarem. Pode-se notar que há palavras repetidas. Para alunos que ainda não compreenderam que tudo o que se lê precisa estar escrito, isso soa absurdo. Mas, como as dificuldades são de ordem conceitual, e não perceptual, salta-lhes aos olhos que existem vários “pedaços” idênticos. Mais precisamente cinco pares. Quatro se repetem na mesma posição, no verso seguinte e um (BATE) no mesmo verso. Apoiar o esforço dos alunos para descobrir o que está escrito em cada par e em cada um dos outros pedaços é a tarefa do professor. Lançando uma questão de cada vez, analisando as respostas para formular
a seguinte e, dialogando, ir avançando com eles.
• O trabalho com listas (de animais, brincadeiras preferidas, ajudantes da semana etc.) também é adequado na fase inicial da alfabetização. Além de ser um tipo de texto que vem de encontro à idéia das crianças de que só os nomes estão escritos, permite que elas, diante de uma situação de leitura de lista, antecipem o significado de cada item, guiadas pelo contexto (“É de animais”; “É de brincadeiras”; “É de comidas” etc.) e, nas situações de escrita de lista, concentrem na palavra a reflexão sobre quais letras usar, quantas usar, em que ordem usar.
• Iniciar a alfabetização pelas vogais e palavras como “ovo, uva, pé”, em lugar de facilitar, pode acabar dificultando a aprendizagem dos alunos. Essa escolha didática desconsidera que, no início de seu processo, os alfabetizandos acreditam que palavras com poucas letras não podem ser lidas. Portanto, centrar a fase inicial da alfabetização em atividades com esse tipo de palavras – tidas como fáceis – significa caminhar na contramão das idéias que em geral eles têm.
• O conhecimento das “hipóteses de leitura” não deve se transformar em um recurso para categorizar os alunos, mas sim estar a serviço de um planejamento de atividades que considere as representações dos alunos e atenda suas necessidades de aprendizagem.
• É preciso cuidado para não confundir hipóteses de leitura com estratégias de leitura: são coisas diferentes. As idéias que as crianças têm a respeito do que está escrito e do que se pode ler, isto é, as hipóteses de leitura, são de natureza conceitual. Já as estratégias de leitura – antecipação, inferência, decodificação e verificação – são recursos que os leitores – todos, tanto os iniciantes como os competentes – usam para produzir sentido enquanto lêem um texto. São estratégias de natureza procedimental, o que significa que são constituídas e desenvolvidas em situações de uso.
• E, por fim, é fundamental desfazer um equívoco generalizado. Muitos professores pensam que as conhecidas hipóteses de escrita – pré-silábica, silábica, alfabética – são também hipóteses de leitura. Não há fundamento para dizer que um aluno é, por exemplo, silábico “na leitura”. É importante compreender que, quando um aluno escreve IOA e, solicitado a ler, aponta I (para PI), O (para PO), A (para CA), ele está explicando o que pensou enquanto escrevia. Está explicitando sua hipótese de escrita. Está justificando sua escrita. O que poderíamos chamar de hipóteses de leitura são as soluções que o aluno produz quando solicitado a interpretar um texto escrito por outra pessoa, como é possível observar no programa O que está escrito e o que se pode ler.
*FONTE: COLETÂNEA DE TEXTOS - PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES - M2U4T11
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