sábado, 28 de fevereiro de 2009

TEXTO PARA ESTUDO


O sentido da leitura na escola:
propósitos didáticos e propósitos do aluno

Na escola, como já temos dito, a leitura é antes de tudo um objeto de ensino. Para que se constitua também em objeto de aprendizagem é necessário que tenha sentido do ponto de vista do aluno, o que significa, entre outras coisas, que deve cumprir uma função para a realização do propósito que ele conhece e valoriza. Para que a leitura, como objeto de ensino, não se separe demais da prática social que se quer comunicar, é imprescindível representar ou re-apresentar, na escola, os diversos usos que ela tem na vida social.
Conseqüentemente, cada situação de leitura responderá a um duplo propósito: por um lado, ensinar e aprender algo sobre a prática social da leitura (propósito cuja utilidade, do ponto de vista do aluno, é mediata); por outro lado, cumprir um objetivo que tenha sentido na perspectiva imediata do aluno.
Trata-se então de pôr em cena esse tipo particular de situação didática que Brosseau (1986) tem chamado “a-didática”: situações que propiciam o encontro dos alunos com um problema que devem resolver por si mesmos; que funcionam de tal modo que o professor – ainda que intervenha de diversas maneiras para orientar a aprendizagem – não explicita o que sabe (não faz público o saber que permite resolver o problema); que tornam possível gerar no aluno um projeto próprio; e que, por tudo isso, mobilizam seu desejo de aprender independentemente do desejo do professor. No caso da leitura (e da escrita), os projetos de interpretação-produção organizados para cumprir uma finalidade específica – vinculada em geral à elaboração de um produto real –, projetos que são clássicos na didática da língua escrita, parecem cumprir as condições necessárias para dar sentido à leitura.
Os projetos devem buscar alcançar alguns (ou vários) dos propósitos sociais da leitura: ler para resolver um problema prático (fazer uma comida, utilizar um artefato, construir um móvel); ler para se informar sobre um assunto de interesse (científico, cultural, de política atual etc…); ler para escrever (por exemplo, para aprofundar o conhecimento que se tem
sobre o tema do artigo que se está escrevendo, ou a monografia que se precisa entregar); ler para buscar determinadas informações necessárias por algum motivo (o endereço de alguém, o significado de uma palavra etc.); ler pelo prazer de ingressar em outro mundo possível…
Cada um desses propósitos aciona uma modalidade diferente de leitura (Solé, 1993). Quando o objetivo é obter no jornal informações gerais sobre a atualidade nacional, o leitor opera de forma seletiva: lê as manchetes de todas as notícias e os corpos das mais importantes (para ele) mas se detém apenas naquelas que lhe dizem respeito diretamente ou lhe interessam mais… Quando o objetivo da leitura é resolver um problema prático, o leitor tende a examinar cuidadosamente toda a informação contida no texto, já que isto é necessário para pôr em funcionamento o aparelho que quer fazer funcionar, ou para que o objeto que se está construindo tenha a forma e as dimensões adequadas… Quando se lê por prazer, o leitor pode centrar-se na ação e pular as descrições, ou reler várias vezes as frases cuja beleza, ironia ou precisão forem marcantes e prestar pouca atenção às outras partes do texto…
Diferentes modalidades de leitura podem ser utilizadas, em diferentes situações, diante de um mesmo tipo de texto: um mesmo material informativo-científico pode ser lido para obter uma informação global, para buscar um dado específico ou para aprofundar um aspecto determinado do tema sobre o qual se está escrevendo; um artigo de jornal pode ser lido em um momento simplesmente por prazer e, em outro, ser utilizado como objeto de reflexão – é o que me tem ocorrido com o artigo de García Márquez cujo comentário dá início a este texto; um poema ou um conto podem ser lidos em um momento por prazer e, em outro, como forma de comunicar algo a alguém…
Diversidade de propósitos, diversidade de modalidades de leitura, diversidade de textos e diversidade de combinações entre eles… A inclusão dessas diversidades – assim como a articulação com as exigências escolares – é um dos componentes da complexidade didática necessária quando se opta por apresentar a leitura na escola sem simplificações, procurando conservar sua natureza e, portanto, sua complexidade como prática social.
Como se coordenam os dois sentidos da leitura? Como se articulam os objetivos didáticos – referentes ao ensino e à aprendizagem – e os propósitos imediatos para os quais aponta o projeto proposto (a situação a-didática)? Se, ao planejar o projeto, se levam em conta ambos tipos de objetivo, essa articulação não coloca maiores problemas: enquanto se desenvolvem as atividades necessárias para cumprir o propósito imediato, alcançam-se também os objetivos referentes à aprendizagem.
*FONTE: COLETÂNEA DE TEXTOS - PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES - M2UET3

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